quinta-feira, 8 de maio de 2014

MEMBRO: Arlete Piedade



.
ARLETE PIEDADE
Representante em Portugal
.
.
Arlete Piedade Louro. Escritora, poeta e divulgadora cultural. Foi uma das fundadoras da U.L.L.A.-União Lusófona das Letras e das Artes, da qual é Vice-Presidente. Colaboradora do Jornal e Rádio Raizonline, do qual foi Chefe de Redação, cronista e apresentadora da rádio. Realizou e apresentou  os programas de rádio, Falar Poesia de divulgação de poesia declamada de vários autores e gravada pela própria e Arlete Convida com entrevistas de personalidades ligadas á literatura lusófona e ás artes. Consul em Santarém do Movimento Poetas del Mundo.Obras próprias publicadas: Sonetos da Fada das Letras (poesia); O Princípe de Ofiúco (Fição Científica); Era no tempo de...Crónicas de Outras Épocas(crónicas); Olhares de Saudade volume I - romance sobre emigração em parceria com o escritor cabo-verdeano e Embaixador de Poetas del Mundo em Cabo Verde, João Furtado. E-Book: Sonhos e Emoções (poesia). Participação em antologias em Portugal: Poetas de Santarém, edição do Jornal O MIRANTE, Horizontes da Poesia II - Colectânea 2010 do grupo de poesia Horizontes da Poesia; Antologia de Poesia Contemporânea Entre o Sono e o Sonho volume V da Chiado Editora - Lisboa; Antologias da U.L.L.A - União Lusófona das Letras e das Artes: Antologia de Natal, Antologia para os Pais, Antologia do Amor, Antologia do Silêncio e Antologia Tema Livre. Participação nas Antologias publicadas no Brasil: Dois Povos-Um Destino, Convergentes,  Brasil e Portugal - Elos Poéticos, 3ª Colectânea Poética do Guará, (Uni)Versos. Participação em livros de autores brasileiros: O Verdadeiro Paraíso de Carlos Ventura (Comentário nas orelhas/badanas da capa); Eu Varenka  de Varenka de Fátima Araújo com poesia em acróstico do nome da autora;  Posfácio do livro Sem Poesia Nem Pensar, de Lenir Moura. Colaboração na edição e apresentação do livro Casulo de Meg Klopper. Poemas e textos publicados em sites de literatura e blogs em Portugal, Brasil e Argentina. Prémios concedidos: 5º Lugar no 4º Concurso Artístico Histórias de Natal com o conto A Chegada. Menção Honrosa Poema Quisera no III Concurso de Poesia Editora Guemanisse. 3º Lugar Poema Era Uma Vez no Concurso Escrevendo e Revivendo da Editora Litteris do Rio de Janeiro - Brasil. Menção Honrosa Poema Amizade Concurso Cultural Brasil Casual Edição 2013 - Publicado na Antologia Poética (Uni)Versos.
Poemas:

O QUE É A POESIA!

Poesia é sentir cá dentro uma mensagem pungente
que tem que ser libertada em palavras de emoção
ofertada ao mundo sem nada esperar! Somente...
o preito do reconhecimento, e a oferta da paixão!

Poesia é ser portadora da arma certa para combater
metralhadora com balas compostas de tinta e papel
a indignação como mola de arremesso ! E assim fazer
a revolução pelo Mundo! Como nova Torre de Babel!

Tantas as línguas quantas as necessárias à mensagem
que o poeta tem que ser das palavras, o transmissor
lançadas sobre o planeta, arremessadas com coragem!

Poetas de todo mundo , união não deve ser miragem
temos que usar na salvação da Terra, a força do amor
ou o futuro de nossos filhos será sugado pela voragem!

Arlete Piedade Louro

AMAZÓNIA - PULMÃO VERDE E RUBRO

És verde e rubro, o pulmão deste planeta azul e branco
Verde das florestas em extensão, rubro das queimadas
Estendendo longos dedos negros em direcção ao flanco
Da mãe ignorada pelos filhos de quem devia ser amada

Noutros tempos eras verde, azul, claro, limpo e puro
No teu seio criavas belos seres, de alma transparente
Um belo e imponente rio atravessava teu corpo e juro...
eras a mais preciosa jóia deste planeta de alma doente

Mas os homens de distantes terras, foram chegando
De teu sadio, fértil, bravio e belo corpo se apossando
Para seu deleite, prazer, sendo a riqueza fácil, o tema.

Teus tesouros foram furtando, teus rios conspurcando
Teus habitantes foram corrempendo, mulheres violando
Ainda será tempo de te salvar, sendo esse nosso lema?

Arlete Piedade Louro

AMIZADE

Amizade não se rege pela idade
nem olha á cor de pele diferente
não importa se é  longe a cidade
onde mora esse amigo da gente!

Amizade não liga ao continente
ou se tem uma travessia de mar
amigo é um ser-se transparente
uma forma desprendida de amar!

Não importa o tempo decorrido
anos, meses, dias, pois o amigo
acorre lesto, ao nosso chamado...

amigo é o nosso irmão escolhido
outro sangue, mas bem acolhido
na casa onde também é amado...!

Arlete Piedade Louro

No Brasil: Menção Honrosa
Concurso Cultural Brasil Casual - 2013
publicado na Antologia Uni(Versos).
Em Portugal, publicado na Antologia de Poesia Contemporânea "Entre o Sono e o Sonho" da Chiado Editora


ABRIL LIBERDADE
Tu, que foste militar de Abril e fizeste a revolução,
saindo de Santarém, na Escola Prática de Cavalaria,
até atingir Lisboa, pela madrugada silenciosa e fria,
agora sexagenário, que balanço fazes da situação?

Tu, que foste preso e torturado, pela Pide sinistra
para abafar a tua voz, que denunciava a injustiça,
partiste para o exílio, buscando viver a liberdade
voltaste, e agora, ainda continuas a ser socialista?

Tu, mãe que em África, os teus filhos, enterraste
e agora sobrevives com uma  miseravel pensão,
vais morrer de fome, abandonada num casebre
até o teu mau cheiro, atrair algum bicho ou cão?

Tu,  nobre povo, que navegou nas naus e caravelas,
enfrentando o mar bravio e os monstros oceânicos,
destes mundos ao Mundo, pioneiro da globalização,
hoje partes, em busca da dignidade, longe deste chão?

Senhores do capital, corruptos, usurários e agiotas
compram os políticos eleitos pelo povo da nação,
despojam a pátria de Camões, do fruto do trabalho
o deserto árido, deixam á futura geração, patriotas?

LIBERDADE gritam os povos, oprimidos e escravizados
LIBERDADE, gritaram em França, no assalto á Bastilha
LIBERDADE gritaram os escravos nas naus aprisionados
LIBERDADE gritaram os negros em África colonizados!

LIBERDADE gritaram os operários no 1º de Maio, explorados
LIBERDADE gritaram as mulheres na fábrica, queimadas
LIBERDADE gritam os homossexuais no amor discriminados
LIBERDADE gritam as crianças da sua infância, espoliadas!

LIBERDADE gritam os polícias,  e os guardas prisionais
LIBERDADE gritam todos os povos que aspiram a mais
Todos querem melhor vida,  casas, carros e dignidade
Prendam os ladrões, confisquem o capital
reinventem Abril, libertem a LIBERDADE!!!!

Arlete Piedade Louro

Poema participante no Evento comemorativo do Dia Mundial da Poesia em Santarém, em 22 de Março de 2014 - Poetas da Nossa Terra - IV Encontro de Poetas Locais

BOMBEIRO

Será só da natureza ardente pelo calor extremo do verão
ou também  do descuido do homem com a mata e floresta?
Então porque se encontram vestígios criminosos pelo chão
e onde o incêndio lavra, árvores ardem, casas e nada  resta?

Como podem culpar esses heróis abnegados, os bombeiros,
quando no Inverno, lhe retiram subsídios e negam material !?
Se ao surgir  o fogo imparável e aterrorizador, são os primeiros
sem dormir e comer , incansáveis enfrentam o calor infernal?

Tudo esquecem, a família, os filhos, os sonhos e até a sua vida
ao  assumirem um compromisso sagrado, uma divina missão
de ajudarem a humanidade a derrubar esse terrível inimigo...

no afã de chegaram ao seu destino, e iniciaram a sacra lida
acidentes ocorrem, bens  e heróis despedaçados pelo chão
ou cercados pelo fogo, carbonizados, desprezando o perigo...

Arlete Piedade Louro

Publicado na 3ª Colectânea Poética do Guará- Brasília - Brasil

AMANHECER
Depois de uma noite escura
chega sempre o amanhecer
a infelicidade encontra cura
na  alma límpida a florescer!

Transparece doce esperança
nas cores do céu ao alvorecer
a madrugada traz a confiança
que em breve o sol irá nascer!

Chispam raios de luz colorida 
um espectáculo cada manhã
Deus nos dá, sem pedir nada...

a amizade cura toda a ferida
amigo irmão, amiga tua irmã
juntos esperando a alvorada...

Arlete Piedade Louro
Editado no livro "Falar Poesia"

CUME DA MONTANHA

Subi á mais alta montanha
como uma águia liberta planando no ar
que busca alimento para os filhos criar
e um pouso seguro para construir o ninho
e lá do mais alto cume, espraei o olhar
pelos cumes e cordilheiras distantes
até a vista se perder nas lonjuras azuis
e só conseguir imaginar
o azul distante do mar.

Deixei o pensamento vaguear, viajar
transpor as distâncias abismais
atravessar o oceano e as vagas eternas
e tão semelhantes á montanha
que a meus pés se estendia
e compreendi o mundo
como era um corpo uno e vivo
um imenso organismo vivo
que ondulava e respirava e vivia
como uma gigantesca baleia
com um minusculo coral no dorso
que era eu...

Tão pequenos e efémeros que somos
humanos surreais que se julgam deuses
que podem ser anjos e logo demónios
construir obras de arte e logo em seguida
torturar, destruir, assaltar, assassinar
amar ternamente e logo em seguida odiar
magoar, desprezar, humilhar e escorraçar
que seres são estes Senhor?

Misto de anjo e demónio, seres precários
de vidas curtas, feitos de matéria perecível
mas com um espírito eterno aprisionado
e em constante aprimoramento
através do amor, e do cruel sofrimento!

Arlete Piedade Louro
Editado no livro "Falar Poesia"


LOJA DE RARIDADES (Crónica)
Há dias, voltando de visitar um cliente, ao passar junto a uma velha montra, algo me chamou a atenção.
Ainda tinha uns minutos, pelo que resolvi entrar e visitar aquela loja que tinha sido objecto de uma reportagem no jornal local de maior circulação, há alguns meses.
Mal transpus o limiar da porta e comecei a mirar o motivo da minha curiosidade, e logo um velho homem, alto e escanzelado, veio ao meu encontro, com um sorriso desdentado no rosto.
Uns óculos de lentes grossas cobriam-lhe os olhos cansados de noventa e tal invernos vividos com entusiasmo e paixão, que ainda brilhavam ao falar do seu negócio.
Negócio? Dificilmente esta palavra se poderá aplicar àquele espaço que mais parece um museu, ou local de culto.
Educadamente dirigiu-me a palavra perguntando em que podia ser útil e ao ver para onde o meu olhar se voltava, um cintilar de entusiasmo, fez despedir faíscas brilhantes das lentes dos seus auxiliares visuais.
Tirou então a carteira do bolso e abriu-a retirando um velho recorte de jornal que desdobrou cuidadosamente, mostrando-me um artigo sobre o nosso veterano jornalista, falecido há alguns anos, Fernando Pessa.
Na verdade eles até são parecidos, pensei eu, relembrando o velho homem das reportagens interessantes na TV, velha glória que no tempo da segunda guerra mundial, exilado em Londres, recusava ir para o abrigo, para fazer a reportagem em directo do estrondo das bombas nazis.
Pensando ir ouvir um elogio ao jornalista falecido em plena actividade, com mais de 90 anos, preparei-me, com uma postura atenta.
Mas, o que ele me mostrou naquele pedaço de papel amarelecido, foi a máquina de escrever que sobre a secretária, ostentava com orgulho a sua marca "Royal 10".
E então começou a falar de como tinha aberto aquela sua loja, no ano de 1945, pelo que completava este ano, o seu cinquentenário e como reparava com paixão todas aquelas máquinas das quais conhecia em pormenor, todas as peças e seu funcionamento.
Contou como recebia encomendas de todo o país e estrangeiro, de pessoas coleccionadoras daquelas maravilhas que sabiam exactamente o que procuravam e ele sabia onde encontrar, para satisfação do seu cliente e eram tantas as histórias que o meu fascínio aumentava a escutá-lo atenta e deslumbrada.
Sobre as bancadas, expostas velhas máquinas, não só de escrever, como também de calcular, daquelas de manivelas, e também registadoras, que faziam lembrar as dos filmes americanos, passados nos saloons do oeste, no tempo dos cow-boys.
E mesmo ali, o objecto da minha maior admiração, uma máquina de fabrico americano, datada de 1910, ostentava a sua raridade, com um magnífico teclado duplo que eu nunca tinha visto, pois que tinha um com letras maiúsculas e outro com letras minúsculas, cor branca para um, cor negra para outro, como um piano ou órgão em miniatura, cuja melodia, seria o bater cadenciado dos seus tipos no papel, por alguma secretária senhoril, em algum escritório antigo e romântico, onde o patrão seria o senhor incontestado e talvez amado.
Ou talvez tivesse pertencido a algum génio das letras, ou da ciência, que imaginei escrevendo as suas obras em anos idos, de outros tempos, em que a vida era mais suave, e havia tempo para tudo, para a amizade, o lazer, para dedicar tempo aos parceiros, para ir ao cinema, e ao teatro, para saborear os prazeres simples e divinos da atenção dividida.
Agora nesta era informática e internautica, ficamos atrás dos nossos computadores e escrevemos num teclado quase silencioso, falamos com pessoas invisíveis que nos dão atenção e carinho, e uma conspiração de silêncio consentido talvez até procurado, nos cerca nos nossos lares, e locais de trabalho.
Desejei ser dona daquela raridade, não para mim, mas para ofertar a alguém que escreve num computador, cercado de muros de silêncio e incompreensão, tentando com as suas obras cultivar talentos, e ser pago em afecto e carinho.
Mas os muros de presenças invisíveis criados por esta nossa era, em que não podemos falar olhando nos olhos das pessoas a quem dedicamos a nossa atenção e amizade, em que distâncias imensas, não apenas físicas, mas de convenções e compromissos, nos impedem de tocar a pele, e escutar o timbre da voz a não ser através de máquinas, que tantas vezes distorcem as intenções e escondem os afectos e desejos sinceros e reais, impedem essa colheita tão apetecida e merecida.
Por isso um presente assim, uma raridade, símbolo de outros tempos, instrumento de escritores e artistas, seria um presente perfeito, pensava eu ao sair daquela loja-museu, e encaminhando-me para o meu carro, pensativa e sonhadora.
Arlete Piedade Louro
Publicado no livro ERA NO TEMPO DE...Crónicas de Outras Épocas

(edição de autor) e jornais, sites e blogs na Internet.
OS HOMENS TAMBÉM CHORAM! (Conto)

Eram apenas sete horas da manhã, naquele dia do início de Março, mas o calor já se adivinhava insuportável. O carro estava parado na fila do meio na auto-estrada , como em todas as manhãs dos últimos cinco anos e Manuel tentava conter a ansiedade como sempre em todos os outros dias em que se dirigia para o trabalho.

Ligou o rádio num gesto entre impaciente e resignado. Já sabia o que ia ouvir:
- Senhores ouvintes, a temperatura prevista para hoje em Lisboa, situa-se entre os 35º graus de máxima e 25º de mínima. Alerta laranja activado em dez distritos do continente. Alerta vermelho na zona da grande Lisboa e grande Porto. Não se esqueçam de levar consigo as garrafas de água para manter a hidratação! Não expor a pele directamente ao sol! Crianças e velhos devem manter-se em casa! – E prosseguia o locutor:

- Trânsito congestionado nas principais vias de acesso á capita! Também no grande Porto e na Via de Circunvalação trânsito com demora acentuada! – mas Manuel já nem ouvia o locutor, era sempre assim todas as manhãs. Tocou no comando instalado no volante, para procurar uma outra estação de rádio, que lhe desse música relaxante e calma!

Mas só encontrava os sucessos barulhentos do momento....Irritado desligou o rádio. Olhou pela janela e reparou na ocupante do carro ao lado. Ela sorriu-lhe e ele retribuiu o sorriso fazendo um gesto de resignação que pretendia abarcar as filas e o trânsito e o mundo em geral.

Ela retribui com um encolher de ombros e ele não pode deixar de reparar naqueles ombros morenos, que estavam desnudados pelo vestido. Não conseguia ver bem, mas aparentemente ela usava um vestido ou blusa sem ombros, apenas cingido no busto por aquelas filas de franzidos que estava na moda.

Os seios pareciam ser grandes e os olhos escondidos atrás dos enormes óculos escuros, apenas se podiam adivinhar. Como seriam os olhos dela?
Os cabelos eram curtos e louros, com uma franjinha caída para a testa ampla. O trânsito na fila ao lado avançou e a mulher arrancou devagar. O carro dele não saíu do mesmo local entretanto, mas Manuel não se irritou. Sabia que dentro em pouco se voltariam a cruzar mais á frente noutra fila.

Agora era a sua vez de arrancar. Seguiu em frente devagar, quase automáticamente, e voltou a ligar o rádio. Agora passava uma música antiga de Elton John. Ficou a ouvir e a recordação da esposa voltou com maior força agora. Era sempre assim. Em qualquer circunstancia do dia a dia, inesperadamente, lá voltava o fantasma do passado para o atormentar.

De repente viu-a á sua frente, como naquele dia em que ela lhe tinha pedido o divórcio. Escutou as suas palavras agressivas de novo:
- Vai-te embora de vez! Deixa-me em paz! Nunca me amaste! Vai para as tuas amantes! Para que me hei-de esforçar para te dar esse filho? – Para ficar no mundo mais uma criança sem pai?

Ela não o compreendia, nunca tinha compreendido a sua necessidade de ter um filho para dar continuidade ao seu nome, para lhe fazer companhia e brincar com ele. Como sonhava com esse filho! Imaginava que iriam passear ao parque, que dariam grandes caminhadas, que iriam jogar á bola, imaginava que ensinaria ao filho tudo que tinha guardado dentro de si, fruto de longas horas silenciosas de reflexões, as descobertas sobre o coração humano, as tentativas inglórias de compreender aquela mulher que era sua desde a infância comum passada na aldeia!

Ela sempre tinha sido sua, continuava a ser sua, mas como lhe fazer entender isso? – Agora era tarde, pensou pela milésima vez. O divórcio tinha sido decretado na semana anterior , era um facto irregovável que no entanto não sabia se iria aceitar alguma vez.

A fila estava de novo parada. Meteu a mão no saco a seu lado e pegou na caixa de chocolates. Comeu um quadrado sem pensar! O doce derreteu-se-lhe na boca! Seguiu-se outro e outro mecânicamente! Sempre tinha gostado de comer, por isso estava um bocado acima do peso.

Ela sempre o aborrecia por isso. Agora pelo menos já não a iria ouvir a chateá-lo. Aproximavam-se das portagens e o carro da frente travou bruscamente devido a outro ter mudado de fila inesperadamente. Sem ter tempo de reagir e fragilizado pelas suas recordações de um casamento fracassado, Manuel embateu violentamente no carro que fez peão e ao bater no separador capotou aparatosamente.

O seu carro tinha-se imobilizado com uma violenta travagem e Manuel saiu em socorro do outro condutor. Não tinha reparado que era o carro da mulher loura. Ela estava presa no cinto de segurança e sangrava da cabeça. Antes de mais nada ele telefonou para o serviço de emergência médica e enquanto esperava a chegada da ambulância, deitou-se no alcatrão a seu lado, acariciando-lhe os cabelos que rapidamente estavam a ficar empapados de sangue.

Ela naquele momento representava todas as mulheres, as que tinham passado fugazmente pela sua vida, as primeiras namoradas, as amantes, a esposa! Em especial a esposa!

Murmurou, sentindo o rosto molhado:
- Perdoa-me, perdoa-me! Não morras, não te vás! Deixa-me conhecer-te melhor! Não me abandones!

Ouviu os silvos da ambulância que chegava, e afastou-se para dar a vez aos paramédicos! Entrou no seu carro mas ao ligar a ignição nada se ouviu! A porcaria do carro tinha ficado mais afectado do que ele suspeitava.
Agora era a brigada de trânsito da GNR que o chamava para fazer o Auto de Ocorrência. Respondeu mecânicamente ás perguntas, assinou onde lhe pediram, e recusou a ajuda que lhe ofereciam sem pensar. Ficou junto ao carro imobilizado e pegando no seu telemóvel chamou um pronto-socorro, para o levar para a oficina.

Quando este chegou, deu as indicações necessárias, e recusou ajuda mais uma vez. Lentamente e sem olhar os carros que se desviavam dele para não o atropelarem, dirigiu-se á berma da Auto-Estrada. Passou as pernas pelo separador, e deixou-se cair no talude cheio de ervas que ainda deviam estar verdes, mas já estavam a secar naquele início de Primavera, que se comportava como o fim do Verão. Afastou-se perdendo-se entre os matagais! Para ele não havia estações do ano. Tinha deixado de haver Primavera, ou Verão! Seria sempre Inverno doravante!

Arlete Piedade Louro

Editado no livro "Contos de Natal e Outros"

Um comentário:

  1. Estimaga Amiga e Ilustre Poetisa, fico radiante por Si.
    Meus sinceros parabéns.
    Abraço amigo

    ResponderExcluir