terça-feira, 20 de abril de 2010

Ronaldo Wernek

Macao & Gotham City

Era então em pleno calor de uma sexta-feira, 13 de dezembro de 1981, e estava eu com Macao-Jards Macalé no Pelotas, famigerado botequim da noite de Cataguases. Eram tempos etílicos, e eu me esquecera do final de uma piada recém-criada. Exatamente aquela passada em Gotham City, que eu acabara de inventar (claro que a piada, cheia de bossa - não Gotham City - que língua a nossa!). Meio que engasguei, dei um trago, uma talagada e mudei “rapimente” de assunto. Pedi logo pro Macao cantar Hotel das Estrelas, a canção que ele fez com Duda Machado, a de letra fantástica, minha predileta entre todas as suas: Estrela vulgar a vagar/ Rio e também posso chorar. Manda de lá Macao: “Não preparei Hotel das Estrelas, fica difícil pra tirar assim, na hora”. Não sei se já falei, mas Macalé estava em Cataguases prum show que iria fazer no Cine Edgar no dia seguinte, às três da tarde. Nunca entendi o porquê desse estranho horário, mas eram tempos etílicos, vocês bem sabem. E “Hotel das Estrelas” não estava no programa. “Pena”, falei. “Mas, se você terminar a piada, eu tento”, rebateu Macao – irônico e de (bate)pronto. Qual o quê! A piada não evoluía. Sabia que tinha o Batman, o Robin, o Coringa, também o Super-Homem. Mas, e daí?

O que acontecia, o que gotejava pelas góticas paredes de Gotham City? Só de birra, tomamos mais quatro ou cinco birras, alguns steinhaggers pra equilibrar e, como apoio estratégico, uma cachaça diabólica sacada das profundezas pelotais. Eram realmente etílicos os tempos. Dali, embrenhados na madrugada, cabeças girando, rodamos por uma Cataguases que por nós também rodava (dessa janela sozinho/ olhar a cidade me acalma). E foram ainda muitas birras-cervejas e foram muitos tragos e talagadas outras, e foram muitos monumentos e Bolonha e Bruno Giorgi e Djanira e Marcier e Portinari e foi muito Colégio Cataguases e Niemeyer e Burle Marx e Francisco Inácio Peixoto, e foi muito cinema e Humberto Mauro, e foi muito, muito Rosário Fusco & todos os rapazes da Verde – que o Macalé queria saber de tudo um muito.

De manhã, pra lá de insones, (nos) acabamos na Rua Dr. Sobral – começo e fim: carpe diem. E lá nos metemos devidamente altos e “fogueiros” num disputadíssimo jogo de sinuca nos fundos do Armazém do Sachetto. Isso antes de arribarmos à casa do papai, logo adiante, e enfrentarmos galhardamente o frango com quiabo da mamãe, com o estratégico apoio de brahmas tantas & batidas quetais. Abatido o imbatível frango da Dona Zeca – imbatíveis que éramos –, Macao & eu rumamos num só e rápido-lento plano-sequência para o Cine Edgar. E sem dar tempo ao tempo, pois, mesmo sonolentos - sacumé, All That Jazz -, o show tinha que começar. “Uis-quê” surge inesperadamente no camarim meu primo Vicentim – e um garrafão assim de cachacim. O tempora! O mores!

Que tempos aqueles! Nem bem entrou no palco – o teatro inacreditavelmente lotado naquela tarde de sábado –, Macao mandou de lá: “Estou adorando Cataguases. Desde ontem à noite o poeta Ronaldo Werneck vem me mostrando sua cidade, falando de seus artistas e me pedindo a cada minuto que cantasse pra ele minha canção Hotel das Estrelas. Acontece que ela não está no programa deste show. Mas disse ao poeta que cantaria se ele terminasse de contar a piada sobre Gotham City, que ele diz ter feito e está tentando se lembrar desde esta madrugada. Convido então ao palco o Ronaldo Werneck pra abrir com sua piada o nosso show.”. Não sei bem como adentrei aquele palco, pois Macao não disse que iria me chamar. A voz pastosa, num sem-graça daqueles, enfrento a plateia e dou partida à parte que não fazia parte do meu show. Nem do Macalé.

“Um dia, lá de Gotham City, Batman pede um help pro Superman. ‘Venha logo, estou sozinho aqui e o Coringa tá botando pra quebrar, já ganhou todas as ruas. O Robin? Ora, o Robin! Ele está lá na esquina, fazendo não sei o quê com os garotos. Você sabe, o Robin não tem mais jeito. Venha logo, Superman!’. Não teve dúvidas o Homem de Aço, que logo se mandou de sua Super Caverna e Super Metrópolis. E super voando a toda, super veloz, senhor de todos os super poderes, chispou Superman pra Gotham City. Eis que (pausa). Eis que (pausa maior). Acho que esse “eis que”, que me lembra “uís-quê”, é mesmo o melhor da minha piada. Não me lembro do resto. Vou pro camarim, volto pro meu “uís-quê”, e deixo vocês com Jards Macalé. E sem Hotel das Estrelas: no fundo do peito esse fruto/ apodrecendo a cada dentada. Mal/dito e bem/feito. “Me mandei-me” do palco (sob imprevisíveis aplausos) e deixei o show pro Macao, que isso era mesmo função dele.

Corta pra seis meses depois: Rio de Janeiro. Meio da tarde no Amarelinho da Cinelândia. Dou de cara com Macalé & alguns chopes. Ele já tinha contado toda essa “nossa história” na coluna que assinava na Folha de São Paulo. Faltava a piada. “Senta aqui, meu poeta: pega um chope e conta a piada: o que houve com nossos super-herois?”. Dois chopes e um “stein” depois, “uis-quê” saiu a piada. Assim: “Superman só chegou a Gotham City tempos depois. Batman reclamou: ‘Mas o que houve? Agora já prendi o Coringa, Gotham City está calminha – o Robin, como sempre, na esquina com seus garotos. Enfim, o que houve?´. Num sem jeito sem fim, manda de lá o Superman: ‘Cê nem imagina. Vinha a toda pra Gotham City, meus super poderes super super. Vai que ao voar sobre uma cobertura meu super olhar de raio X dá com a Mulher Maravilha tomando banho de sol em pelo (amor de Zeus!). Uis-quê, com meu super tesão a toda, não deu outra. Ou deu, porque dei um super rasante Mulher Maravilha adentro – e crau!’. Batman exclama atônito: ‘Nossa, coitada da Mulher Maravilha!’. Superman super-super rápido: ‘Não, meu chapa: coitado é do Homem Invisível!”.

Eram tempos etílicos. Lembro disso agora porque Maria Alcina me ligou há poucos dias: andou fazendo show com Macalé e ele me mandou um abraço daqueles. Outro procê, Macao. E também porque acaba de estrear no Rio um filme sobre meu amigo, “Um Morcego na Porta Principal”. A julgar pelo trailler na internet, o filme “desafina o coro do contentes”, como naquela canção que ele fez com o Torquato. Bem Macalé. Como tam/bém Macalé é o Hotel das Estrelas, disponível no youtube, com a “levada” (do breque & da breca) tropicalista da Gal Costa: Mas tenho os olhos tranquilos/ De quem sabe seu preço/ Essa medalha de prata/ Foi presente de uma amiga/ Sobre um pátio abandonado/ Hey, hey, hey mãe isso faz muito tempo. Sim, faz muito e muito não-etílicos tempos sem uis-quê & Macao & Gotham City.

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