ANDRÉ LUIZ PEREIRA ALVES
CAMPO GRANDE MS
acido13@gmail.com
Trabalhos Publicados
Atualmente
PASSARINHOS E QUINTAIS
Era uma dessas manhãs de nada a fazer, sábado de sol e ventos de agosto. Meus filhos estavam dormindo e a Graziela bebia café lendo o jornal. Bateu um áspero silêncio que uns pardais cavoucando o quintal trataram de modificar. Vó Aurora dizia que quando morremos nos tornamos passarinhos e recordei um amigo falecido recentemente, logo ele, que envelheceu sem perceber, continuou criança, daqueles que estão sempre de bermuda ou calção, que ainda joga bola e, desajeitado, não sabe brincar com o pião. Pela janela vejo o quintal de casa e alguém aguando a terra, espalhando, sem querer, no ar o cheiro de chuva. Ah, como é bom ter quintal. Pensei ir visitar um amigo, idéia que logo deixei fugir, primeiro porque não o avisei antes e detesto quando fazem isso comigo, outro motivo é que ele mora num apartamento, lugar que me sinto enclausurado, com medo de falar alto e levar bronca do síndico. Fico mesmo sem jeito em apartamentos e admiro com total devoção quem consegue neles morar. Prefiro casa com janelas que, quando abertas, apresentam aos meus olhos ventos de liberdade. Sou como aquele pardal que faz de seu mundo o quintal da minha casa. A TV e o sofá convidam para um descanso, mas percebo antes que está faltando leite e cerveja na geladeira, motivo ideal pra uma visita ao supermercado. Campo Grande mudou muito na última década. O antigo campo do Comercial agora é um supermercado e por lá se apresenta uma pianista. Pianista no supermercado? Sim, ela estava lá e pra minha alegria tocava músicas do Ivan Lins. Não consegui sair de perto, rodei pela mesma prateleira diversas vezes tentando disfarçar meu desconforto, controlar o desejo de pedir uma música, do próprio Ivan, que faz tempos que não ouço, aquela que ele encerra assim “pede a banda pra tocar um dobrado, olha nós outra vez no picadeiro!”, quando tive coragem, não precisei pedir, como estivesse lendo meus pensamentos, a moça tocou a música que eu queria e registrei na cabeça aquele final: “olha nós outra vez no picadeiro!”. Neste mesmo supermercado existe um ninho de passarinho, feito de capim que veio de longe, porque o estabelecimento é num lugar bastante residencial, longe da natureza. Deve ter dado tanto trabalho que não ouso supor. O bicho passou diversas vezes em vôos rasantes e assoviou sem se importar com a música do piano e eu deixei meu rosto se entregar num ar contemplativo: o que é mais bonito, o canto do pássaro ou o som do piano?
Acho que é o piano, porque voltei pra casa com a música do Ivan Lins na cabeça, canção que deixei extravasar num assovio que assombrou os de dentro de casa, feliz por ter um quintal e nele uma jabuticabeira, um pé de limão e tudo mais que precisa um passarinho pra ser feliz.
E então escrevi esta crônica, numa homenagem ao amigo Antoli, que morreu dormindo, partiu sem se despedir, virou passarinho, é hoje mais um desses pardais que cavoucam nossos quintais.
André Luiz Alvez
Publicitário, escritor e ator de teatro
Acido13@gmail.com
.
.
HÁ MURMÚRIOS DOLENTES DE SEGREDOS
Quarta-feira, sete da manhã, cruzamento da Avenida Salgado Filho com a Rua Brilhante, semáforo fechado. O tempo para e me perco em pensamentos. Dos poetas que gosto cultivo frases. “Há murmúrios dolentes de segredos”. Florbela Espanca morreu de solidão e desencanto, pelo amor ao irmão que morreu num desastre, dor imensa que a consumiu aos poucos e nem mesmo a ternura e o desejo da felicidade contida em seus versos conseguiram evitar. Imagino a cena derradeira, o último trago, morte de amor, epílogo de um livro triste. Florbela confessou que sentia o corpo congelar antes de escrever; assim, sem cuidados, escapa da mente desavisada o que cada estrofe de seus versos quer contar; é preciso desnudar a realidade a passos lentos, ser alma, esquecer a carne, somente assim para sorver os poemas regados de pedidos clementes de vida, rogo de amparo que não encontrou. Tarefa árdua tentar decifrar os poetas, tudo o que deles sabemos é aquela confissão do Chico Buarque: são como cegos podem ver na escuridão.
E ai de nós outros que mesmo diante da luz quase sempre nada enxergamos.
Já notaram que muitas vezes não percebemos coisas simples do cotidiano? Naquele dia estava atento e vi pela janela do carro algo inusitado: Uma senhora, setenta anos ou mais, sentada numa pedra na esquina do cruzamento movimentado, largada da vida, fumando sossegada um cachimbo, transformada em minha mente numa pintura perfeita de Vermeer. Passei bem perto, notei os detalhes. O cheiro da fumaça atingiu minhas narinas, respirei fundo e senti uma espécie de enlevo, eu que luto pra largar o vício do cigarro, permiti sem muralhas que aquele resto de fumaça enchesse meus pulmões, nada fiz pra impedir, supremo prazer. Não fosse a pressa, teria estacionado o carro e aproveitado melhor o momento, mas apenas reduzi a velocidade e fechei levemente os olhos sem me importar com o motorista que vinha atrás e sua buzina insana, cega, que não percebeu que naquele instante a fumaça do cachimbo me levou diante de Florbela Espanca. Vi claramente a poetisa portuguesa, os cabelos em desalinho, ligeiramente grisalhos e com algumas mechas caídas despretensiosamente na testa. Eu a via e num silêncio solene contemplava cada suspiro, enquanto ela, caprichosamente, não me enxergava, porém sentiu minha presença, ouvi seus lábios murmurarem “Ainda não posso lhe dizer o verso que não fiz”. Permaneci calado em minha viagem astral, observei da pena leve escorrer a tinta de palavras mágicas, enquanto a cinza do último charuto caía no chão, espalhada ao vento, fumo leve que foge entre seus dedos. Depois me senti mais pesado e voltei à realidade de olhos vazios, opacos, a vida de buzinas, de gente que passa sem perceber o quanto sonhei momentos antes.
Nos outros dias não reencontrei a velha senhora e concordei comigo mesmo que tudo não passou de ilusão. Ou então ela não quer mais saber do sol, vagueia dentro de casa, murmura orações, fala sozinha, procura sem encontrar o cachimbo perdido.
Há murmúrios dolentes de segredos.
ANDRÉ LUIZ ALVEZ
Publicitário, escritor e ator de teatro.
Acido13@gmail.com
CAMPO GRANDE MS
acido13@gmail.com
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Sou o André Luiz Pereira Alves e uso o nome literário e artístico André Luiz Alvez em minhas obras literárias e atuações em teatro.
Nasci em Campo Grande-MS , em 16.02.1965.
Casado com Graziela Bartiê Alves; temos dois filhos: Andreza e Bruno.
Sou formado em Comunicação Social , Publicidade e Propaganda pela UNISA de São Paulo.
Trabalhos Publicados
· 2007
o Participo da coletânea de crônicas “Retratos Urbanos”, da editora Andross de São Paulo, com o texto selecionado: “Ah, como era bom os tempos em que nos chamávamos Antônios, Marias e Josés...”
· 2009
o Ano de estréia em romances. Publico o livro “No Pantanal não existe pingüim” 367 páginas, Editora Agbook – SP.
· 2010
o Participo da Revista da UBE-MS – União Brasileira de Escritores de Mato Grosso do Sul, com o texto “Febre terçã”.
o Obtenho menção honrosa da comissão do Concurso de Contos Paulo Leminski – Parceria da Unioeste/Campus de Toledo e Prefeitura Municipal de Toledo – PR – Secretaria de Educação do Estado do Paraná, pelo conto “O Confinado”, finalista entre 794 contos enviados pelo Brasil afora.
Atualmente
· Em desenvolvimento
·
o Sou cronista do caderno B do jornal Correio do Estado, no qual atuo como colaborador desde 2008.
o Atuo como ator de oficina de teatro – tarefa desenvolvida no Centro Cultural José Octávio Guizzo
o Sou autor de diversas esquetes teatrais para o grupo Adote – espetáculo “Arte de Quinta”, no qual também atuo interpretando diversas personagens.
o Lançado em 09.04.2013 – na Morada dos Baís – espaço cultural de Campo Grande-MS, meu segundo Romance: “O santo de cicatriz”.
Campo Grande-MS, 14 de junho de 2013.
o
PASSARINHOS E QUINTAIS
Era uma dessas manhãs de nada a fazer, sábado de sol e ventos de agosto. Meus filhos estavam dormindo e a Graziela bebia café lendo o jornal. Bateu um áspero silêncio que uns pardais cavoucando o quintal trataram de modificar. Vó Aurora dizia que quando morremos nos tornamos passarinhos e recordei um amigo falecido recentemente, logo ele, que envelheceu sem perceber, continuou criança, daqueles que estão sempre de bermuda ou calção, que ainda joga bola e, desajeitado, não sabe brincar com o pião. Pela janela vejo o quintal de casa e alguém aguando a terra, espalhando, sem querer, no ar o cheiro de chuva. Ah, como é bom ter quintal. Pensei ir visitar um amigo, idéia que logo deixei fugir, primeiro porque não o avisei antes e detesto quando fazem isso comigo, outro motivo é que ele mora num apartamento, lugar que me sinto enclausurado, com medo de falar alto e levar bronca do síndico. Fico mesmo sem jeito em apartamentos e admiro com total devoção quem consegue neles morar. Prefiro casa com janelas que, quando abertas, apresentam aos meus olhos ventos de liberdade. Sou como aquele pardal que faz de seu mundo o quintal da minha casa. A TV e o sofá convidam para um descanso, mas percebo antes que está faltando leite e cerveja na geladeira, motivo ideal pra uma visita ao supermercado. Campo Grande mudou muito na última década. O antigo campo do Comercial agora é um supermercado e por lá se apresenta uma pianista. Pianista no supermercado? Sim, ela estava lá e pra minha alegria tocava músicas do Ivan Lins. Não consegui sair de perto, rodei pela mesma prateleira diversas vezes tentando disfarçar meu desconforto, controlar o desejo de pedir uma música, do próprio Ivan, que faz tempos que não ouço, aquela que ele encerra assim “pede a banda pra tocar um dobrado, olha nós outra vez no picadeiro!”, quando tive coragem, não precisei pedir, como estivesse lendo meus pensamentos, a moça tocou a música que eu queria e registrei na cabeça aquele final: “olha nós outra vez no picadeiro!”. Neste mesmo supermercado existe um ninho de passarinho, feito de capim que veio de longe, porque o estabelecimento é num lugar bastante residencial, longe da natureza. Deve ter dado tanto trabalho que não ouso supor. O bicho passou diversas vezes em vôos rasantes e assoviou sem se importar com a música do piano e eu deixei meu rosto se entregar num ar contemplativo: o que é mais bonito, o canto do pássaro ou o som do piano?
Acho que é o piano, porque voltei pra casa com a música do Ivan Lins na cabeça, canção que deixei extravasar num assovio que assombrou os de dentro de casa, feliz por ter um quintal e nele uma jabuticabeira, um pé de limão e tudo mais que precisa um passarinho pra ser feliz.
E então escrevi esta crônica, numa homenagem ao amigo Antoli, que morreu dormindo, partiu sem se despedir, virou passarinho, é hoje mais um desses pardais que cavoucam nossos quintais.
André Luiz Alvez
Publicitário, escritor e ator de teatro
Acido13@gmail.com
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HÁ MURMÚRIOS DOLENTES DE SEGREDOS
Quarta-feira, sete da manhã, cruzamento da Avenida Salgado Filho com a Rua Brilhante, semáforo fechado. O tempo para e me perco em pensamentos. Dos poetas que gosto cultivo frases. “Há murmúrios dolentes de segredos”. Florbela Espanca morreu de solidão e desencanto, pelo amor ao irmão que morreu num desastre, dor imensa que a consumiu aos poucos e nem mesmo a ternura e o desejo da felicidade contida em seus versos conseguiram evitar. Imagino a cena derradeira, o último trago, morte de amor, epílogo de um livro triste. Florbela confessou que sentia o corpo congelar antes de escrever; assim, sem cuidados, escapa da mente desavisada o que cada estrofe de seus versos quer contar; é preciso desnudar a realidade a passos lentos, ser alma, esquecer a carne, somente assim para sorver os poemas regados de pedidos clementes de vida, rogo de amparo que não encontrou. Tarefa árdua tentar decifrar os poetas, tudo o que deles sabemos é aquela confissão do Chico Buarque: são como cegos podem ver na escuridão.
E ai de nós outros que mesmo diante da luz quase sempre nada enxergamos.
Já notaram que muitas vezes não percebemos coisas simples do cotidiano? Naquele dia estava atento e vi pela janela do carro algo inusitado: Uma senhora, setenta anos ou mais, sentada numa pedra na esquina do cruzamento movimentado, largada da vida, fumando sossegada um cachimbo, transformada em minha mente numa pintura perfeita de Vermeer. Passei bem perto, notei os detalhes. O cheiro da fumaça atingiu minhas narinas, respirei fundo e senti uma espécie de enlevo, eu que luto pra largar o vício do cigarro, permiti sem muralhas que aquele resto de fumaça enchesse meus pulmões, nada fiz pra impedir, supremo prazer. Não fosse a pressa, teria estacionado o carro e aproveitado melhor o momento, mas apenas reduzi a velocidade e fechei levemente os olhos sem me importar com o motorista que vinha atrás e sua buzina insana, cega, que não percebeu que naquele instante a fumaça do cachimbo me levou diante de Florbela Espanca. Vi claramente a poetisa portuguesa, os cabelos em desalinho, ligeiramente grisalhos e com algumas mechas caídas despretensiosamente na testa. Eu a via e num silêncio solene contemplava cada suspiro, enquanto ela, caprichosamente, não me enxergava, porém sentiu minha presença, ouvi seus lábios murmurarem “Ainda não posso lhe dizer o verso que não fiz”. Permaneci calado em minha viagem astral, observei da pena leve escorrer a tinta de palavras mágicas, enquanto a cinza do último charuto caía no chão, espalhada ao vento, fumo leve que foge entre seus dedos. Depois me senti mais pesado e voltei à realidade de olhos vazios, opacos, a vida de buzinas, de gente que passa sem perceber o quanto sonhei momentos antes.
Nos outros dias não reencontrei a velha senhora e concordei comigo mesmo que tudo não passou de ilusão. Ou então ela não quer mais saber do sol, vagueia dentro de casa, murmura orações, fala sozinha, procura sem encontrar o cachimbo perdido.
Há murmúrios dolentes de segredos.
ANDRÉ LUIZ ALVEZ
Publicitário, escritor e ator de teatro.
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