Famílias desestruturadas e endividadas
. Carlos Lúcio Gontijo
. O Estado brasileiro é uma lição cotidiana de violência e menosprezo em relação à vida das pessoas que o habitam. Todos os dias os meios de comunicação nos revelam a existência de cidadãos que morrem na fila da rede pública de assistência à saúde, crianças órfãs de pais vivos, que as abandonaram por não disporem de qualquer condição material e intelectual para sustentar a família que constituíram sob o signo da pobreza, uma vez que não têm emprego nem a formação educacional ou profissional exigida pelo sistema produtivo quase que completamente informatizado do mundo construído pelo progresso tecnológico.
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Assistimos a exacerbado processo de aniquilamento de todos os valores morais e tradições que sempre nortearam a pacífica convivência em sociedade. O rumoroso caso envolvendo famoso jogador de futebol, uma candidata a modelo que se transformou em garota de programa e mais uma penca de ligações perigosas entre ex-policial e gente do submundo das drogas não passa de um exemplo emblemático para a consolidação da ideia de que o mesmo Estado que edita lei que proíbe o secular tapinha educativo assiste impassível à morte de criança, vítima de bala perdida, em sala de aula, e se nos apresenta incapaz de projetar política capaz de ao menos arrefecer o número cada vez maior de jovens que tem a vida ceifada precocemente pela violência patrocinada por agentes da criminalidade generalizada.
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É inegável o fato de que a economia do Brasil cresceu e houve a abertura de inúmeros postos de trabalho, contribuindo para a melhoria da massa salarial. Contudo, o que precisa ser analisado é a qualidade dos empregos oferecidos, onde o que temos é o antigo império de salários insuficientes para o cidadão arcar com as despesas de manutenção de uma família, pois não conta ele com qualquer ajuda do Estado que, muito pelo contrário, o enche de taxas e impostos sem qualquer contrapartida em matéria de prestação de serviços. Ou seja, sem dinheiro no bolso, qualquer trabalhador corre o risco de perder um ente querido à espera de atendimento em posto de saúde da rede pública.
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Em ambiente socioeconômico que assim se nos apresenta à razão livre de análise de fundo partidário, temos a ampliação de crédito ao consumo, que não perdoa nem os aposentados da previdência social, integrantes de uma espécie de bloco de segunda categoria, onde o teto máximo destinado aos aposentados é menos de três mil e quinhentos reais (contudo a imensa maioria recebe mesmo é salário mínimo e o tal teto, com a incidência de fator previdenciário e tudo o mais, é índice praticamente inatingível), mas mesmo assim são alvos de intensa propaganda de bancos e financeiras que, sabedores de suas agruras e penúrias, os atraem para o empréstimo consignado, ao qual eles recorrem e a partir daí se tornam mais pobres ainda, pois passam a ter desconto líquido e certo, durante meses a fio, em suas aposentadorias. Ou seja, o mesmo governo que lhes paga uma mixaria decide torná-los presas fáceis do sistema bancário, propagando a guilhotina como se tivesse estabelecido uma prodigiosa e sensível medida burocrática salvadora.
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Enquanto isso, as elites, a classe média e até os pobres ilhados pela violência, pelas balas perdidas e pelo sangue correndo nas ruas tomadas por uma cada vez mais indisfarçável guerra civil, reivindicam mais polícia na rua, mais presídios, trazendo-nos à mente a filosofia do grego Protágoras (480 a.C), que nos dizia que “o Estado que não educa suas crianças se vê na obrigação de, mais tarde, castigar os adultos”, como agora se dá com o goleiro Bruno, Bolão, Macarrão, Coxinha e tantos outros menos votados que fazem o show e o enredo dos programas televisivos especializados em colocar o cidadão em contato direto com a miséria humana.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
Poeta del Mundo
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