quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A tirania da indústria cultural


Foto retirada do Wiseupjournal (http://www.wiseupjournal.com/)
A tirania da indústria cultural

. Carlos Henrique Machado Freitas .


Que resultados a crescente massa de projetos tem trazido para a cultura brasileira? Precisamos realçar a atual ideologia de produção e mostrar os limites desse discurso que tem produzido, além de muita confusão, um totalitarismo ao invés de uma semente evolutiva. . Não podemos crer que o pensamento único seja objeto de uma civilização que se pretende moderna e que vive, de tempos em tempos, de convergência de momentos. Não estamos falando dentro dessa fragmentação de uma cultura solidária, artística ou intelectual, tudo parece convergir para o território do dinheiro. É esta metamorfose que já não respeita mais as naturezas regionais. A cadeia do atual sistema violenta a informação para nos apresentar a cultura do dinheiro em estado bruto, sem luz, sem alma, sem criação. É aí que encontramos os limites da racionalidade dominante. Nesse perigoso imaginário de que a velocidade técnica é um poder cultural, temos um antídoto simples extraído das nossas realidades, como diz uma frase de um clássico e belíssimo samba de Paulo César Pinheiro e João Nogueira, “força nenhuma no mundo interfere sobre poder da criação”. . Um trabalho intelectual, artístico não pode ser confundido com disciplinas tributárias, dirigido de forma tão brutal pelo espaço geográfico que apenas exige uma pungente cadeia, uma reescritura de produção em série. . Temos que nos decidir, se estamos reivindicando aspectos específicos de políticas culturais ou se nos subordinaremos às técnicas hegemônicas do mercado. O conteúdo nesse território está compartimentado, e este é um dos problemas cruciais para quem se pretende diferente ou estratégico diante das outras atividades produtivas para merecer aportes públicos. Nesse estado banal aonde a cultura tem função igualmente banal, o processo histórico da cultura fica escasso pela própria rotina, e a riqueza dos sentidos cai em repouso na escala em que o campo de batalha imperativamente nos jogou. No emaranhado de técnicas, o homem pouco descobre ou faz uso da sua força criativa, pois cada vez menos natural toda a técnica artificial é que redefine as relações da plenária. E a cultura, nessa ordem material, transforma-se em um objeto qualquer de multiplicação, daí a idéia de tribo, de povo, de Nação e de Estado perde a consciência cósmica, a síntese que nos chega pela força da natureza, pelo talento imprevisível como força vital das nossas fusões e, consequentemente dos nossos estímulos. . Precisamos de um pensamento vivo e um modo de pensar a humanidade da cultura, nos poderes milagrosos da evocação que só a luz da criação pode ter a cultura como fenômeno essencial. . Hoje, como estamos a um passo de sermos prole dessa tirania do progresso técnico, a arte não terá qualquer função, porque pretensiosamente esse território que vive de desafinações e guinchos tem a cultura somente como atividade econômica e, consequentemente o seu pensamento busca especificações produtivas e não o exercício reflexivo da criação. Não é possível que não enxerguemos essas grandes distorções, inclusive a quebra da solidariedade social que sempre foi a marca da cultura do nosso povo. Essa colaboração positiva que faz a diferença em um país com interpretação multidisciplinar como no caso do Brasil, não pode viver do limite em que o aprofundamento da competitividade nos mergulhou. A equivalência brasileira na cultura tem em sua natureza conceptiva referências humanas de admirável gratuidade. Esse virtuosismo “universal” estabelecido aqui pela globalização financeira precisa ser enquadrado e, ao mesmo tempo respeitar as diversidades e assuntos que abrangem os nossos múltiplos sentidos. . Isso que aí está, uma indecisão pasmosa que hipnotiza gestores, artistas, consagrando a unicidade técnica como motor único da cultura, com certeza nos levará, em grosso modo, a uma espécie de rumba-fox, aonde o agudo fere a definição de sociedade criativa e nos empurra para essa feira de porcarias absolutas. . O barulho do mercado é grande, os cantos dos vendedores ambulantes cheios de tiques esquizofrênicos, ignoram as redondilhas maiores da cultura nacional. A dicção da indústria cultural está cheia de defeitos, pois tenta aportuguesar o insuportável processo industrial ensandecido a mando da atividade econômica globalizada. Estamos perdendo os parâmetros, as referências para cairmos numa fórmula aplicada como se a cultura do Brasil fosse uma grande empresa, exigindo de cada cidadão o individualismo arrebatador e possessivo, desrespeitando com suas finalidades pragmáticas, o valor da cultura como base principal nas relações sociais como ordem natural do território brasileiro. . Não sei aonde tudo isso vai dar ou aonde a velocidade hegemônica pretende chegar. De imediato podemos ver que a uniformidade em detrimento à pluralidade tem aprofundado a disfunção da cultura como liga que discute as noções de tempo e espaço no território brasileiro. Além do quê, a gravidade da situação, cheia de metas e estatísticas, não está ao alcance de todos, ao contrário, cada vez mais se torna benefício exclusivo de uma pequena parcela que acaba regulando a vida coletiva da cultura para, a cada capítulo, impor uma política cultural comandada por empresas/corporações. . Até quando adotaremos esse critério de avaliação mecânica que a contabilidade global vem nos impondo como condição de organização e sobrevivência? O poder público, o Estado não pode se deixar usar pelo apetite dessas empresas, pois esse intercâmbio de alguma forma está tornando cada vez mais densa a presença da influência do globalitarismo na cultura do cidadão. . A sociedade empiricamente já percebeu que a liberdade e a dignidade da cultura hoje dependem de ajustamentos para se tornar dócil às técnicas contemporâneas de alienação generalizada. . Precisamos recolocar a cultura em seu lugar central e não viver acomodados com o período atual que, na realidade é uma crise promovida por empresas e pelo sistema de produção cultural. O Estado tem que por um freio em tudo isso. Essa espécie de energia missionária do culto definitivado no seu organismo pobre que não distingue sequer tradição e modernidade em seus conceptos estéticos com sua crença monoteísta está nos enfiando goela abaixo, certa idolatria ao curandeirismo gestor. . Poucos percebem, mas a cultura hoje vive de uma autoria esotérica, de uma crendice, de uma superstição urdida por um eruditismo imediatista do mercado longe da parceria instintiva do povo brasileiro. Todos esses patuás, marcas, patentes, logos, são hoje objetos cerimoniais do caráter coreográfico que esbofeteia a cultura nacional. Estamos vivendo desse comer-e-beber vinte e quatro horas e a fumaça da tropa soberana do mercado é apenas uma variante de um sistema deformado que verticalizou todas as outras atividades produtivas que na cultura usam ora o bico de pena do erudito decalcado, ora a botina marrom do para-culturalismo imposto pelos pajés da corporatocracia e suas espingardas de cano curto. . É imprescindível e emergente afirmar um outro traçado, um outro plano para a cultura brasileira, algo que traga à baila os minuciosos e ricos aspectos da cultura do Brasil, obras de registros verdadeiramente colaborativos, frutos de árduos trabalhos e não dessa paulicéia desvairada dos ritmos batidos e repetidos pela obsessão coreográfica da dança das moedas.

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