terça-feira, 21 de setembro de 2010

Um Brasil que ainda não conhece sua música


Um Brasil que ainda não conhece sua música
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Antoine Kolokathis
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“O Brasil não conhece o Brasil”, cantava Elis Regina na década de 70, na célebre canção de Aldir Blanc. Pois décadas se passaram e grande parte dos brasileiros ainda continua a desconhecer muito do que de melhor acontece aqui. E um caso dos mais típicos dessa “alienação nacional” é a nossa genuína música instrumental brasileira.
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Acredito que ainda são poucos os brasileiros que têm consciência de o quanto o Brasil é considerado no mundo um fenômeno em termos de música instrumental.
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Basta ir numa boa loja de CDS de qualquer grande capital da Europa e nos EUA, onde é comum encontrar títulos de instrumentistas brasileiros.
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Nossos grandes nomes – como Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos, entre muitos outros – sempre foram considerados gênios lá fora.
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E isso não é de hoje: vem desde os tempos dos Oito Batutas, de Pixinguinha, que nos anos 20 fez a Europa se curvar pela primeira vez à beleza do nosso choro, passando pelo violonista Garoto, que na década de 30, nos shows de Carmen Miranda, encantava os jazzistas americanos, que o chamavam de “O homem dos dedos de ouro”, entre muitos outros casos.
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Tanto verdade que muitos dos nossos melhores instrumentistas chegaram inclusive a se radicar em outros países, onde foram (e geralmente são) muito mais respeitados, requisitados e valorizados do que aqui.
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E como se todo esse histórico rico e eclético não bastasse, a cada nova geração, a música instrumental brasileira se renova, em quantidade e qualidade impressionantes, em novas safras de novos músicos, grupos e CDs.
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Prova disso são “movimentos” musicais que recentemente começaram a ocorrer em São Paulo, como o “SP Vanguarda Instrumental” (www.myspace.com/spvanguarda), que reúne uma série de grupos instrumentais, e o “Movimento Elefantes” (http://www.movimentoelefantes.com/), que aglutina as chamadas “big bands”, que têm feito um excelente trabalho de abertura de mercado – conquistando novos espaços para tocar e despertando nas novas gerações o gosto pela nossa música instrumental.
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Mas não podemos nos contentar com pouco. Ainda há muito para se fazer.
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O grande problema é que apesar de ter muito mercado lá fora e demonstrar uma grande força “localizada” aqui no Brasil, a música instrumental brasileira ainda é uma ilustre desconhecida em nosso grande território nacional – pelo menos para a maior parte da população brasileira.
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Pouquíssimas rádios tocam esse tipo de música, e as que tocam ficam restritas aos grandes centros. São raros os espaços dedicados ao estilo na TV, com exceção das TVs públicas que, sabemos, pouco alcance têm entre a maioria da população.
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E os CDs, embora ainda sejam gravados por poucos, mas bons selos, ficam restritos a um grupo seleto de formadores de opinião dos grandes centros.
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Mas porque isso acontece, considerando-se que se trata de um “produto” tão excelente, que encanta – e sempre encantou – pessoas em todo mundo?
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Acredito que há vários fatores. O primeiro é a causa “mãe” de todos os problemas relacionados à produção cultural brasileira: a educação do brasileiro.
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Não precisa se pesquisar muito para saber que a educação pública no país – que é a que atinge a maior parte do Brasil – tem uma série de falhas e carências. E isso é problema porque, para ser mais bem assimilada e, portanto, consumida, a boa música instrumental exige por parte do público um repertório cultural um pouco mais sofisticado.
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Mas isso é só parte da causa raiz do problema, pois o que não falta ao brasileiro é sensibilidade para gostar de música boa, pois, como se sabe, somos um povo muito musical.
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Acredito que a outra falha vem da própria mídia, do próprio mercado e indústria cultural e seus agentes, que ainda não perceberam o potencial mercadológico da boa música instrumental.
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Desde 2005, atuo num projeto cultural que vem me provando a força mercadológica da música instrumental brasileira.
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Trata-se do selo Kalamata (http://www.kalamata.com.br/), de Campinas (SP), especializado em produzir e lançar intérpretes, compositores e arranjadores da mais fina flor da música genuinamente brasileira, com ênfase na música instrumental.
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Nele, lançamos diversos trabalhos de alguns dos mais importantes instrumentistas brasileiros da atualidade, como o violeiro Ivan Vilela, o saxofonista Mane Silveira e o compositor Ricardo Matsuda, entre muitos outros.
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Em todos, o resultado é sempre o mesmo: ótimas críticas e elogios aos discos e instrumentistas por parte da imprensa especializada e de “iniciados”, o que nos fortalece cada vez mais a noção de que a música instrumental brasileira é e sempre será um excelente produto cultural, no qual vale a pena investir e explorar, no melhor sentido do termo.
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Mas ainda é algo restrito, localizado, consumido por poucos. A música instrumental ainda é um filão a ser explorado. Ela precisa “invadir” as rádios. Precisa ir para as novelas de grande audiência. Precisa ocupar os programas de TV mais populares – por que não? Por que não dá audiência? Quem disse isso?
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Em qualquer mercado ou indústria, há sempre “descobertas” de novos produtos que até então estavam “escondidos”, mas que, muitas vezes, “do nada”, são descobertos e explorados, gerando produção cultural e empregos ao setor etc. Uma dessas descobertas mais recentes são as produções de musicais ao estilo Broadway no Brasil.
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Claro que tais produtos culturais só se tornaram viáveis porque alguns agentes culturais apostaram nisso. E se deram muito bem.
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Pois em nosso Brasil do gênio de Aldir Blanc, muitas “querelas” – pendências, segundo o dicionário – ainda persistem. Uma delas certamente é a nossa indústria cultural ainda vir a descobrir o poder mercadológico da nossa mais genuína, bela e encantadora música instrumental brasileira.
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*Antoine Kolokathis (antoine@direcaocultura.com.br) é um dos mais atuantes produtores culturais do país. É diretor-fundador da Direção Cultura (www.direcaocultura.com.br), produtora cultural de Campinas que em 10 anos de existência já produziu dezenas de grandes projetos culturais gratuitos, aprovados em lei de incentivo à cultura, sempre visando educação e formação de público.

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