segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Daladier Carlos


                                      Carta aberta aos poetas brasileiros
                                                              ( por Deladier Carlos )
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            Com muita tristeza, mas tocado pela necessidade de espantar os fantasmas que me acossam, tomei a iniciativa de dirigir este comunicado aos meus confrades poetas, não explicitamente como se fora empreender uma denúncia, porque o denuncismo é a pior recomendação à consciência quando sabemos que a culpa nos abate a todos, cidadãos, em razão das escolhas que fazemos. Então, estou a falar de nós e de quantos, ao longo de décadas, têm governado nossas cidades e o nosso país, usando a prerrogativa do nosso voto. Os últimos acontecimentos que revelam as desgraças que se abatem sobre cidades do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e de São Paulo são a evidência inequívoca de que o preço da cidadania sequer pode ser estimado, uma vez que não se está medindo qualidade de vida, mas a dimensão do tenebroso espectro da morte que vem abatendo pobres e ricos; crianças, moços e velhos; lugares humildes e localidades onde o conforto estava presente antes das tragédias. Nunca foi bastante a linguagem oficial, ou a opinião sempre oportuna do especialista, ou o denodo dos soldados, bombeiros e cidadãos, ou a fé inesgotável e a insuperável esperança da imensa maioria do povo deste país, ou a resposta generosa do ofertório daqueles que, colocados na margem oposta ao do sofrimento, doam o que podem de seus recursos e bens para os mais necessitados. A dor de perdas humanas jamais será recuperada e não haverá programa de governo que substitua o impacto destruidor sobre os sonhos e os ideais de tantos que perderam outros tantos. Minhas reflexões me encaminham a um ponto de corte em que não vislumbro nada mais senão o realismo fantástico, ou seja, a descrição de cenas e fatos que se repetem à exaustão, seja nas práticas do modelo político nacional - o do é dando que se recebe -, seja nas formas de representação oficial do que necessariamente deveria ser apresentado de modo dinâmico e orientado à finalização, seja nos estilos de operar a coisa pública - qualquer coisa, desde que tenha ou possa ter valor agregado ao chamado bem comum - , seja, finalmente, nas conjecturas fantasmáticas dos porta-vozes que oferecem à nação o escárnio da opinião deformada, algo na linha do "se as chuvas não tivessem caído com tanto ímpeto e volume, blá,blá,blá". A partir desta disfarçada cobertura conceitual, a autoridade se desguarnece da própria credibilidade; a mídia tão-somente percute a taboada macabra dos óbitos reconhecidos, isto em razão de não se atrever a verdadeiramente enfrentar as razões do poder público; o cidadão, por último, se dá conta de que mais uma vez esteve sozinho e permanecerá nessa condição durante toda a sua existência, porque já ninguém mais está falando um idioma aceitável por todos, mas escoram-se os argumentos menos danosos - deixando para trás o que não pode ser salvo -, para manter a equivalência entre os "esforços" das administrações dos governos e a expectativa da opinião pública. É cristalino o raciocínio de que o momento não é propício a discursos, jornalismo bombástico ou didatismo retórico de acadêmicos de toda espécie. Deve-se tratar o mal com todo o empenho, acompanhado de respostas rápidas de socorro urgente, tais são os exemplos da sociedade civil que já está agindo. Contudo, algumas considerações são fundamentais para o que penso ser uma razoável compreensão dessas tragédias anunciadas. Vamos dividi-las em três blocos: ações de governo de amplo espectro; ações de governo localizadas; ações da cidadania. No primeiro, é sabido que a disputa por verbas federais para os estados se transformou em cenário de guerras partidárias, o que deixa para muito longe a implantação de políticas de desenvolvimento regional que possam alavancar o crescimento econômico, a produtividade, o pleno emprego e o aumento serial dos níveis de educação muito além do que revelam os estudos de prancheta e os relatórios ministeriais. O custo Brasil é alto, isto é sabido, porque são necessários investimentos maciços em todas as áreas da vida nacional. A realidade, porém, só tem revelado. governo após governo, ações parciais e que não respondem com eficácia às consequências do atraso. Na esteira deste raciocínio, a educação, a saúde, o trabalho, o transporte público são áreas em que o cidadão não tem ainda resposta imediata e eficaz às suas demandas.  Nas ações de governo localizadas, refiro-me ao papel político e administrativo de governadores e prefeitos e, nessas instâncias, as condições de desocupação das chamadas áreas de risco já deveriam ter sido implementadas e ter continuidade em todas as administrações, independente do jogo de forças dos partidos. Aliás, penso que desde o governo Carlos Lacerda pouco se fez para transformar a cidade do Rio de Janeiro - pelo menos a metrópole onde vivo e conheço - em centro de convivência e trânsito social desenvolvidos. Assim, o mapeamento sistemático e a cobrança sistemática de fiscalização e de ações corretivas sobre delitos de postura municipal, tanto urbana quanto rural, são condutas imprescindíveis ao agente público diretamente responsável. No campo da cidadania, a má educação daqueles que transformam os espaços externos à sua propriedade em lixeiras é um exemplo gritante de que o inferno tem nome e às vezes até dono. A lista de descasos é extensa e, como disse no início, falo de todos nós e não das paredes, até porque estas estão ruindo. Para finalizar, concluo que o governo federal, os governos estaduais e municipais, o legislativo e o judiciário e, finalmente, o cidadão comum, todos, sem exceção, temos a nossa parcela de responsabilidade quanto a tudo que nos ocorre, quer em nossa casa, na do vizinho ou em lugares distantes do nosso país. Temos que pensar e realizar um Brasil novo, sem privilégios, sem episódios de corrupção e sem impunidades. Posso estar oferecendo aos nobres confrades uma perspectiva algo ingênua da cosmovisão política brasileira, entretanto, para mim é na visão das águas caudalosas e impetuosas de rios que ultrapassam o seu curso e arrasam o que há pela frente e da lama viscosa que despenca barranco abaixo que devemos enxergar a nossa onipotente e falsa tolerância, ao mesmo tempo em que confessamos a nossa incompetência até agora para escolhermos o que deve e pode ser feito imediatamente. O resto, é assunto para Copa do Mundo e Olimpíadas.
Abraços fraternos.
Daladier Carlos

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