terça-feira, 17 de abril de 2012

MEMBRO: Fabiano Fernandes Garcez


Fabiano Fernandes Garcez
.
Fabiano Fernandes Garcez nasceu em 3 de abril de 1976, na cidade de São Paulo. Formou-se em Letras, é professor de língua portuguesa, participou da antologia São Paulo Quatrocentona, é autor dos livros Poesia se é que há (2008), Diálogos que ainda restam (2010). Desenvolveu o Ateliê de poesia para a Casa de Cultura Tremembé; palestra no I Fórum da Juventude: A ideologia do curinga; palestra na Biblioteca Monteiro Lobato Guarulhos: A poesia contemporânea em debate. Jurado pela cidade de Guarulhos da fase municipal do Mapa Cultural Paulista – Edição 2009/2010 (Poesia). Faz parte do grupo idealizador do Espaço do Escritor Guarulhense: LÊ Guarulhos.
Guarulhos - SP 
e-mail: bil_garcez@yahoo.com.br
.

SE JESUS VOLTASSE HOJE
Quem acreditaria
se Jesus voltasse hoje?
Mas, se ele voltasse
seria brasileiro
Nasceria na periferia
de São Paulo
Seria negro?
Cantaria RAP?
Sobreviveria a
Mortalidade infantil?
Exclusão social?
E a violência sobreviveria?
Se Jesus voltasse hoje
nasceria no sertão da Paraíba
ou Pernambuco
Teria voz grave e rouca
para falar a multidão
e cantar repente
Sobreviveria a seca?
a fome?
Sobreviveria ao racismo?
Se Jesus voltasse,
hoje no Brasil
dormiria nas ruas?
Comeria de favor?
Chamaria Jesus?
Genésio, Gésio
Ou Mané, José, João
Benedito, Romão?
Precisaria ele de nome?
Seria católico?
evangélico?
Seria caótico?
Seria cristão?
Espírita?
Novamente judeu?
Seria Jesus ateu?
Acreditaria nele os Deuses?
Nessas religiões?
Seus seguidores?
Seus patrocinadores acreditariam?
Ou prefeririam acreditar
naquele de barro, louça
gesso ou madeira
que fala pela boca dos outros
Se Jesus voltasse hoje,
falaria o que já falou?
Se é que falou...
Saberia Jesus escrever?
Seria um teólogo?
Para saber sobre as religiões?
Agora dessa vez, caso
voltasse, desrespeitaria as regras
como já fez?
Se Jesus voltasse
quem acreditaria?
O Diabo?
O tentaria?
E Deus?
Acreditaria ou o abandonaria?
Se Jesus voltasse hoje
ganharia dinheiro?
Investiria?
Agradeceria suas vitórias?
Ou reclamaria suas derrotas
a um Jesus mais antigo!
Se Jesus voltasse
compraria crucifixos?
Pagaria dízimos?
Casaria? Na igreja?
Se Jesus voltasse
nasceria brasileiro
Você acreditaria?
Ou o condenaria?
Será que já não nasceu?
(de Poesia se é que há)

EU NÃO SOU EU
Eu não sou eu, sou outro
E outro que não o outro, que não eu
Eu sou outro e outro e
outros tantos e eu
Se sou eu que é outro
o eu que sou também não sou eu
Com tantos eu, outro e outros eus,
como posso olhar algo e dizer: isso é meu?
Como pode ser meu,
se o eu que sou não sou eu?
Quando eu digo meu,
o eu pode estar se referindo ao meu que é do outro
o outro que não sou eu,
então, esse algo é seu!
Mas se sou eu e outro
o outro também sou eu
Aquilo que é seu é meu!
Eu Fabiano, Fernando, Carlos
que diferença faz, se todos os outros sou eu
Eu sou o outro e os outros
sem deixar de ser eu
sou eu e sou outro
e os outros sou eu
Mas os outros que não o outro,
que não os outros outros
que não eu, também sou eu?
(de Diálogos que ainda restam)

LOBISOMEM
Minha mãe fez uma história
sobre Lobisomem
De noite
ele veio me visitar
Fui para o meio de minha mãe
e meu pai
que disse
que era bobagem,
que lobisomem nunca houve,
e eu era medroso
A mãe insistiu:
“Fique aqui”
Dormimos bem
Dormimos família
Dormi passarinho
Daí em diante
Lobisomem sempre
apareceu pra mim

(de Rastros para um testamento)

JOSEFINA
Quando conheci
Josefina, ela tinha
cabelos aninhados,
dentes carunchados
e pés de assustar léguas
Aí, a levei ao conserto:
dentista, cabeleireiro,
manicure e pedicure
Ofereci estojo de maquiagem, batom
um vestido e uma sandália
Então, ela veio a mim
toda lavada, escovada, pintada
enfim, transformada
Com sorriso de inauguração
e me segredou
que fui o único homem a lhe fazer
mulher
(de Rastros para um testamento)

Nascente
Em roteiro da retaguarda
me aproximo
a vibração soa
por entre meus ossos
Tivesse uma cauda
Abanaria de alegria
Ao abrir da porta
Ao abrir, da porta
recebo seu hálito
imperceptível
inconfundível
abraço
amistoso, conciliador
Fosse sozinho
escaparia das malas
ajoelharia ao assoalho
e o beijaria, feito solo sagrado
Se viessem colocar indagações
opinaria que proponho
algo importante que fugiu
dos bolsos,
fundações
que sejam
Mesmo não sendo papa
tenho por dever me curvar
às minhas raízes
que me sustentam
que me solidificam
Eu concreto e mudo
percebo que sou
edificação absurda
constructo
de tijolo por tijolo
Reboco e massa corrida
O eco que reverbera
e faz com que
os todos canos ressoem
é viga, coluna
O gabinete manco da pia
é eterna garantia
que ainda sem espelhos
eu sempre me reconheça
e sem receio algum
possa matar minha sede
E me lavar

(de Rastros para um testamento)

Fabiano Fernandes Garcez




Nenhum comentário:

Postar um comentário