Delasnieve e a poesia
do tempo
“O tempo é minha matéria, o tempo presente, a vida
presente,os homens presentes” Carlos Drummond de Andrade
Afirma
Marcel Proust em sua obra “La recherche
du temps perdu” que o tempo é a única coisa de que realmente dispomos.
Tudo se desgasta e passa .Tudo se dissolve,menos o
tempo, matéria prima da existência.
Partindo do
fascínio, do mistério, que o tempo exerce sobre a imaginação,Delasnieves Daspet
construiu uma poética baseada na observação do deslizar
dessas horas, a que chamamos vida.
Como numa
viagem,a história inicia-se na infância.
Bastou o toque da varinha mágica para que a memória, arquivo de lembranças, acionasse o
‘doce vento da tarde” e fôssemos
transportados em suas asas ao incerto
país dos rios sem fronteiras de que nos
fala Rilke,onde é possível “sentir o
cheiro do amanhecer das campinas “ e
encher os olhos com as luzes do “mais
belo por do sol”.
Surgem ,dessa
forma, versos banhados nas ondas do lirismo, da delicadeza, versos que
respiram a “liberdade do reino animal e
vegetal em permanente cio.”
Mulher de muitos
talentos, Delasnieves descobriu na poesia a janela por onde a realidade
escorre para inaugurar territórios mulltiplicadores de sonhos
e visões de acontecimentos que se
sustentam no ritmo dos versos.
Imagens tornam-se
múltiplas na descrição “da luz
rósea da madrugada” ”no rumor das folhas
secas” “no murmurar do Mato Grosso do Sul, que precisa ser ouvido com os olhos “no chão e na alma” para o
conhecimento de sua grandeza.
A natureza é o
grande ator de que se vale a autora para
clamar contra a destruição,porta-voz da resistência representada pelo milagre das flores brotadas
das cinzas geradoras .
Na utilização da
teoria das correpondências de
Baudelaire, sensações de cor ,movimento
forma e cheiro invadem os
sentidos do leitor, no jogo de espelhos, gerador da vida selvagem, expressa na visão “das crianças azuis e das
rosas suaves do Pantanal”.
Pouco a pouco a
autora assume os traços distintivos dos
animais e flores do Pantanal, abrigo certo dos momentos difíceis em que
exibe a“pele curtida de sol” , encontra moradia “nas infindáveis planíces
azuladas, esquece o tempo e curte o
prazer da solidão.”
Definindo-se como
índio guaicuru, assume as qualidades desse guerreiro,lutador
independente,síntese do brasileiro.Ao mesmo tempo faz o panegírico dos herois e
revolta-se com a derrota dos guatós
,nação nunca dominada “nem pela espada ou religião”
Imagens brotam
como na tela de um cinema,criando ritmo
inusitado pela repetição de sinestesias,antíteses
e metáforas.Uma palavra puxa outra como símbolos de leveza, de maciez,do
inominável difícil de ser atingido.
Ao identificar-se
com as forças da natureza, compõe o estatuto da realidade cultural de Mato
Grosso do Sul,mosaico de forças de toda
ordem anunciadas nas vozes dos deuses gregos, que se associam em favor
da liberdade de ser e de agir.
Pã Che Tetã,
Poesias reunidas de Delasneves Daspet,
muito mais que um hino à terra sul-mato-grossense é a revelação das
qualidades poéticas de quem nasceu para o dever de transformar a palavra
em símbolo da voz que ficou calada na
garganta , grito de coragem e expressão da liberdade. .
Como Drummond, ela fez do tempo exercício de análise da vida e dos homens
que fizeram parte de sua convivência alargando os caminhos da existência.
Maria da Glória Sá
Rosa
Glorinha*
Maria da Gloria Sá Rosa – Um dos grandes nomes da cultura
de Mato Grosso do Sul. Foi educadora, ativista de assuntos culturais, i Doutora
Honoris Causa pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS e membro
da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.
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