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Sent: Wednesday, November 04, 2009 10:32 PM
Subject: CARTA ABERTA AO ESCRITOR ANTÔNIO POETA
CARTA ABERTA AO ESCRITOR ANTÔNIO POETA
Rio de Janeiro, quarta-feira,
madrugada do dia 04 de novembro de 2009.
Caro Antônio Poeta,
A Ira costuma nublar razão e sentimento. Não é um deus razoável. E sua carta, companheiro, transparece raiva, ódio, ira, antes de qualquer coisa. Fico imaginando se esse ódio, num momento, num átimo de instante, num tempo em que ele lhe brotasse na alma de forma tão eloquente e cega, se essa ira, de algum modo, pudesse lhe levar a um ato totalmente insensato. Você seria capaz de um ato insano, amigo? Com a veemência e a virulência que sua carta indica, suponho que não. Pois eu, meu amigo, que não sou chegado a certezas, nesses dias tão ásperos e pouco poéticos, humanamente respondo “talvez, não sei”. Às vezes, a vida nos leva por caminhos insondáveis... E que sabemos da vida, não é mesmo? Fechados em nossos quartos e salas, diante de nossos computadores, trancados em nossos carros blindados, com ar condicionado, com medo e nojo dos pobres, e negros, e pivetes, que ousam nos pedir uma ajuda, um socorro! Que sabemos nós, dos dramas humanos, não é poeta? Cercados de bens materiais e felizes dentro de nossas famílias supostamente felizes! Por que nos preocuparmos com as dores dos outros? Pra que darmos bom-dia ao vizinho? Pra que abrirmos a porta do elevador pra alguém entrar? Pra que oferecermos flores aos amigos? Pra que chamarmos a atenção de nossos filhos, quando uma criança “feia e suja lhe estende a mão” (parafraseando Caetano), às vezes com um sorriso, e eles não correspondem? Como ordenar às nossas crianças que cedam seus assentos, nos ônibus ou em qualquer outro lugar, aos mais velhos, aos cegos, a um doente ou a uma grávida, ou, pelo menos, sermos gentis, carregando seus pertences, se nós mesmos não o fazemos? Como reclamar de seus palavrões se os falamos sempre e em todos os cantos, inclusive em nossas casas? Pra que agradecermos a um gesto amável? Por que pedirmos licença ao passar? Por que ouvirmos a voz de tantas e tantas minorias, negros, índios, mulheres, prostitutas, homossexuais, se estamos distantes de suas peles, a salvo de um possível contacto, não é mesmo? Se a poesia nossa de cada dia nos dá o pão para matarmos a nossa fome de sabedoria eterna? Ora, amigo, a rua é dos que gostam das ruas, não é? Assim, bem feito pra quem quer viver uma vida diferente da nossa, sempre tão honesta e tão sadia, não é verdade? O PROBLEMA É DELES, PÔ!
Infelizmente, companheiro, não são somente as drogas, as armas, a poluição que estão matando nossos jovens: é, principalmente, a falta de delicadeza, dessa mesquinha gentileza diária, desse amor cotidiano que não mais conseguimos doar, e nem mostrar aos nossos filhos. A falta de delicadeza mata tanto ou mais, na sua surda desumanidade, do que muita bala perdida. Pois ela é sábia. Ela destrói aos poucos, ela corrói imperceptivelmente, ela sabota as nossas emoções, ela mata aos pouquinhos os nossos sentimentos sociais, coletivos, românticos, sentimentais e de amor ao próximo, como uma droga não-química, entende? E nos torna cínicos e cheios de soberba, devido a uma razão impura e burra, como a de muitos políticos, por exemplo. A falta de gentileza, a indelicadeza leva, também, à falta de solidariedade, e nos impede de sentir a dor alheia, a não ser por nosso prisma racional e estúpido.
Em alta velocidade, atravessamos semáforos fechados, andamos na contramão, dirigimos embriagados, estacionamos em lugar proibido, jogamos cigarros acesos das janelas dos edifícios, atiramos papéis no chão, mijamos nas calçadas... Há em nós algo animalesco, certo prazer na disseminação cultural anticivilizatória. Estamos todos doentes. Há uma droga diária que nos consome. Invisível, predatória, nociva: a indiferença.
Acredito, companheiro, que foi a Ira, essa arma impiedosa, que o levou a julgar de forma tão injusta, o nosso amigo Luiz Fernando Prôa. E o motivo dessa Ira, amigo Poeta, só você pode buscar dentro de si mesmo, humildemente, como um bom ensinamento espiritualista ou budista.
Quem, em sã consciência, pode julgar um pai que vê o seu filho tornar-se um assassino, a ponto de ter, ele próprio, que o entregar à polícia? Quem, em sã consciência, não vê a dor desse pai, sabendo que ele - o pai – de certa forma, sabe que seu filho também está praticamente morto? Quem, em sã consciência, não pode, lá no fundo, sentir a dor desse pai, em sua infinita frustração e medo, ao pensar que, de alguma forma, errou, perguntando-se quando o seu menino, que gostava tanto de música e poesia, começou a transformar-se nesse ser perigoso, atrás das grades, e, agora, ele mesmo, o pai, prisioneiro eterno dessa angústia, de não saber onde o seu Amor falhou? Quem, em sã consciência não vê que a dor da mãe que perdeu a sua filha, linda, jovem, meiga, é uma dor insuportável e insuperável, mas que não é o caso, como infantil e puerilmente se tenta fazer, de medirem-se dores? Como disse, muito bem, a missivista Sheyla de Castilho, que não conheço, “não cabe lirismo nenhum em dor tamanha, e ambas as famílias merecem e têm o meu respeito.”
Ninguém é louco de “relegar a segundo plano” o desaparecimento brutal de uma jovem. Essa sua afirmação é totalmente impensada. Ora, a vida incumbiu-se da tragédia e dos dramas, mas não pediu a nós, supostos deuses, para julgar e colocar na balança, como na Mitologia, qual a dor maior: se a do pai ou a da mãe, ou, até mesmo, pasmem! a do jovem drogado e assassino. É claro que, na sua consciência e sabedoria, jamais lhe passou pela ideia que o assassino, palavra que você prefere, possa sofrer pelos seus atos criminosos, porque, de maneira cirúrgica, científica, sociológica e psicológica, você e todos os Guardiões da Ordem e da Justiça já comprovaram que “esse componente assassino é inato da pessoa.” Aliás, pensamentos assim podem levar a gestos radicais e tresloucados, poeta, como o da prisão-perpétua ou da pena de morte. Eles são perigosos. Podem trazer, embutidos neles, por exemplo, a solução fantástica de executarmos em massa todos os assassinos, ladrões e degenerados do mundo, pois, afinal, têm seus genes irremediavelmente comprometidos e sem salvação, nessa ou na Vida Eterna. Infelizmente, já vimos esse filme. Cuidado, poeta, a Vida é muito maior que isso!
Jogar-se pedra no telhado alheio sempre foi uma atitude hipócrita e censurável; nos dias de hoje, então, como fazê-lo, se a própria pedra pode nos pesar nas mãos e cair em nossos pés? Nem mesmo a nós, poetas, tão terrenos e fracos, como o mais pobre dos mortais, dá-se essa permissão. Portanto, abaixo todos os Olimpos!
Poeta, a mim me parece que você cometeu um equívoco e um pecado, para ficarmos no templo cristão que você citou. Julgou uma pessoa, um pai e sua imensurável dor, sem sequer mesmo conhecê-lo, de forma quase leviana e nada nobre, chamando-o de um manipulador que quer aparecer, de “frenesi” e “deslumbramento pessoal” a sua convocação para a sociedade debater sobre o problema das drogas. Afirmar que um pai, que vê seu filho matar uma jovem, fica feliz com o seu destino e “deslumbrado” com tal situação, a ponto de planejar tirar partido desse infortúnio, elaborando um “projeto pessoal para se manter na mídia”, não me parece nem um pouco razoável, nem (utilizando-me das suas próprias palavras) tem um “senso Cristão”.
Se você conhecesse o Prôa, e sua “alma de poeta”, como eu e dezenas de amigos o conhecemos, sempre generoso, amável, solidário, e excelente pai (caso você não o saiba, e, talvez, para seu espanto, ele tem outras filhas que não se drogam), talvez não o fizesse. Entretanto, não é por conhecê-lo que estou tomando suas dores. Não! Estaria indignado de qualquer forma, mesmo se esse pai me fosse desconhecido, por saber que uma tragédia como essa pode acontecer em qualquer família, repito,
Sabemos que o drogado é um doente social, e que leva a sua doença e desgraça para junto de toda a sua família. A destrói, quando não financeira, emocionalmente. Como julgar, por tudo isso, um pai e sua tragédia? Como discriminá-lo? Como não explodir com ele em sua dor? É lógico, que isso é problema de foro íntimo, como costumam dizer nossos advogados e políticos. Portanto, mesmo que você considere que os que entendem a dor de um amigo cometem “insensato apoio as pretensões de estrelismo do pai do agressor”, façamos o que nossas consciências nos ditarem, sem que possamos criticar quem quer que seja por omissão ou covardia. Cada um sabe de si – nos dias atuais, aliás, essa é a lição que se aprende mais, a do individualismo, quase uma nova epidemia. Daí, o espanto, a “calamidade pública”, por se tentar diminuir ou dividir a dor de um amigo que pede socorro. Daí, o susto por essas coisas que nos fogem, como afeto e compreensão. Afinal, como diria Hélio Leites, outro grande poeta e amigo, “SOLIDARIEDADE NÃO DÓI”.
Creio, Antonio Poeta, que a sua bandeira difamatória contra o poeta Luiz Fernando Proa está eivada de paixão. Mas, falta-lhe um detalhe: compaixão.
Muita Luz, Poesia e Sabedoria nos seus dias, pra você e seus familiares.
Cordialmente,
Tanussi Cardoso
Poeta e Jornalista.
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