quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Jonal de Castro

O PODER DA PALAVRA

“Sol, detém-te em Gibeom, e tu lua, no vale de Ajalom”.
(Josué, cap. 10, v. 12).

A Conjugação do Verbo

(J. Castro)

O que no princípio se fez resplandece até hoje aos olhos de todo o mundo. A Terra, até então, era desprovida de forma e beleza. O Universo era um turbilhão de águas que se fundia com os céus, e o Verbo se movia sobre a superfície das águas.
Sendo o Verbo a palavra que exprime ação, o próprio Verbo se fez presente e foi conjugado em seus vários tempos e modos, tornando-se elemento primordial na criação de toda essa grandeza que nossos olhos contemplam. Ficar à margem do reconhecimento do poder que a palavra exerce sobre o domínio do Universo, é negar a existência do Arquiteto que o criou, visto que os nossos pés pisam, os nossos olhos contemplam e a nossa própria boca atesta essa grande verdade.
Ao contemplar o Universo vazio, sem nenhuma porção seca onde pudesse assentar os próprios pés, o Pintor fez deslizar o seu pincel na moldura: “haja Terra” — e houve Terra. Quando as águas agitavam-se pela força do vento sem nenhum ser vivente para nadar ao embalo das ondas, o Poeta apontou com o lápis: “Produzam as águas abundantemente répteis de várias espécies” — e, naquele momento, foram criados os grandes tubarões, os sociáveis golfinhos, as enormes baleias, os pequenos répteis, os crustáceos, os moluscos e toda espécie de animais de hábitos aquáticos.
Não havia distinção entre dia e noite, de modo a permitir que animais inofensivos passeassem com segurança pelos prados edônicos da primeira pintura feita a três mãos. O Poeta recitou: “haja luminares na expansão dos céus” — assim foi criado o grande astro Sol para governar o dia e a Lua para governar a noite. No entanto, os olhos do Pintor perceberam outro detalhe: no imenso espelho das águas a Lua apresentava muito solitária, numa paisagem sem fim. E foi apenas um toque no lápis: “haja estrelas” — e houve estrelas de diversas grandezas para brilharem no universo celeste, de modo que todos esses maravilhosos poemas foram improvisados mediante a observação crítica do Artista e o mundo foi tomando forma.
No entanto, depois de toda essa tela pintada —, as grandes cadeias rochosas, os inexpugnáveis oceanos, os grandes mares, os vastos rios, as densas florestas —, o Poeta notou que precisava de um ser semelhante a Si para dominar toda essa plenitude. E o Verbo foi conjugado em modo imperativo: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme à nossa semelhança”. Assim, passando da reflexão à ação, o Oleiro tomou uma medida de argila e fez com ela um boneco inanimado; assoprou-se nele o fôlego da vida e o homem foi elevado à categoria de alma vivente; deu-se-lhe poder para dominar sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre tudo aquilo que o Artista criara pela força do lápis e do pincel. Ao colocar o homem no jardim, o Poeta piscou, cúmplice: ”Frutificai, multiplicai-vos e enchei a terra”.
Assim, vemos por espelho que tudo que foi criado permanece em sua forma original até os dias atuais: os rios serpenteiam rumo aos oceanos, acolhendo em suas taças toda a água despejada das nuvens encharcadas do orvalho do céu; no entanto, eles nunca se fartam e jamais se enfadam do seu trabalho. Da mesma forma, o Sol nasce no Oriente, ilumina e aquece a Terra sem nunca feri-la com o seu ardor. Ao cumprir o seu percurso, o astro-Rei se põe no Ocidente, enquanto a Lua rende o plantão, regando a natureza com sua seiva lacrimal.
Desse modo, seria injusto ao homem negar essas verdades, sabendo que jamais houve e nunca mais haverá um Poeta que tão bem soube o Verbo conjugar.


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Jonan de Castro Reis é cônsul de Poetas Del Mundo, entorno de Quirinópolis - GO, membro da Alesg – Academia de Letras do Extremo Sudoeste de Goiás, membro da ALB – Academia de Letras do Brasil, poeta, contista e romancista. É autor de Arremedo: Contos & Lorotas (122 p.) e do romance Marcas do Infortúnio (332 p.).

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