domingo, 5 de setembro de 2010

Geraldo Maia

A ERA DA SOLIDÃO

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Ontem fui a um lançamento de livro e conversava com alguns amigos sobre a era atual da comunicação, nunca foi tão pródiga de ferramentas para o contato entre pessoas, e no entanto nunca que a solidão esteve tão presente na vida da gente, a solidão, a impessoalidade, a coisificação, a crueldade, a banalização de tudo.

Falamos, teclamos e “tocamos” o quanto amamos o outro, mas o que é amar mesmo a algo ou a alguém distanciado que não se conhece e que cada vez mais se aproxima virtualmente?

Só se pode amar aquilo ou aquele que se conhece, ou melhor, que se está em processo de conhecimento, de “comer sal junto”, e no entanto minimizamos tanto esse contato pessoal, vivencial, quer dizer, o relacionamento direto, o encontro olho a olho, a conversa mão na mão, o contato cheiro a cheiro, o convívio riso a riso, pranto a pranto.

Principalmente porque essa relação deve ser pura e simplesmente por causa do outro, pela importância do outro, pelo valor que o outro tem simplesmente por ser uma pessoa, mesmo momentaneamente “desconhecido”. Não é buscar a pessoa com um determinado objetivo, um fim, um alvo, uma reunião de metas e objetivos.

Quer dizer, o outro, coisificado, passa ser um mero meio de se atingir determinado interesse, emocional, psíquico, material, sexual, espiritual, político, etc, quando deveria ser o começo, o meio e o fim do encontro consigo e com o próximo.

Devemos buscar o outro, visitá-lo, ir na casa do outro pelo outro, procurar o outro porque se sente falta, tem saudade, deu vontade de dar um abraço, não é para contar uma novidade, uma fofoca, pedir emprestado um pouco de afeto, de café, de fé, descontar um cheque, nada disso, ir só para ver o outro, porque é bom estar na sua companhia, ouvir o som de sua voz, sentir o carinho de seu olhar, a graça ao sorrir, a tristeza do silêncio, nessas horas não precisa falar nada, a simples presença já diz tudo, “você é o meu presente”.

Talvez por isso procuro conversar mais com o outro quando uso a net, por não poder gozar do presente que é a sua presença física, ao vivo e às dores e prazeres, então procuro fazer com que a pessoa me conheça ao máximo de verdade, procuro me mostrar ao máximo, inteiro, sem fakes fotos, sem subterfúgios, sem meias verdades, sem enfado, mesmo com todo o risco, (a gente corre risco na cama, o teto pode desabar ou alguém chegar pelo avesso).

Porque é só me conhecendo que o outro pode ter uma chance de me amar de verdade, e eu quero ser amado de verdade, assim como quero amar de verdade também, em qualquer esfera de amor, e quando falo de amor não coloco sexo junto, sexo pode existir sem amor (é só pagar), e como existe!, falo de amor entrega (e como se entregar a quem não se conhece?) que não espera paga, falo de amor devoção, de amor respeito, de amor cuidado, de amor carinho e proteção, de amor que serve e se compartilha, de amor que não se presta a ser investimento afetivo (que cobra juros de beijos e queijos), e que é essencial a todo e qualquer ser vivo.

E para se viver esse amor é imprescindível conhecer o ser amado. Como respeitar, como servir, como contribuir, como se dar sem esperar troca se não se sabe nada ou muito pouco do outro? Conhecer o outro é o que se recebe em troca do amor. E isso é mútuo. Amor é mútuo.

Mas o amor comércio, o amor mercado, o amor que valoriza objetos, ganhos, coisas, mais que as pessoas, que a pessoa amada, aí é amor conversa fiada, amor “171”, amor “caô”, que não busca conhecer o outro porque não está nem aí para o outro nem para ninguém, só para si, para o seu ego, o anti-amor. Amor assim passa a ser apenas uma palavra, uma palavra que se fala sem que se conheça seu significado, uma palavra dita e repetida no automático, mecanicamente, sem sentir, sem pensar, sem ser vivida, e aí vira discurso vazio, palavra jogada fora, inútil, sem significado.

Quero que você me conheça, entre na minha casa, chegue a hora que for que dou a chave para você entrar e sair com todo conforto, por favor, eu preciso que você me conheça, entre em minha vida, acrescente algo nela, de bom ou ruim, que farei o mesmo com você, somos o mesmo processo de vida, de aprendizado, conhecer você é me conhecer de outra maneira, da maneira nova de mim que você está trazendo.

Por favor, venha, entre sem pedir licença, sem marcar hora, pode vir, não há demora nem pressa, venha com todas as suas medidas e exageros, medos e sonhos, portos e abismos, e só me peça o que eu não quero dar, o que me apego, o que do todo de mim ainda nego.



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