quarta-feira, 9 de maio de 2012

MEMBRO: AIRTON REIS


AIRTON REIS
Governador da Associação Internacional Poetas del Mundo para Mato Grosso
CUIABÁ-MT
airtonreis.poeta@gmail.com
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Autor de "Reversos", 2008, Gráfica Defanti, Cuiabá-MT, "Cidadão em Contos", 2009, Gráfica Defanti, Cuiabá-MT. No prelo: "Estrelas do Ocidente". Colaborador de jornalismo. Cronista na Revista de Mato Grosso - RDM - www.rdmonline.com.br
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“Double et faux”
    Duas caras em nada francesas. Duas caras coroadas em distintas realezas. Duas caras na mesma nobreza nem tão nobre. Duas caras no mesmo discurso nem tão verdadeiro. Duas caras envoltas no mesmo vespeiro. Duas caras amanhecidas no mesmo travesseiro. Duas caras deveras lavadas no mesmo banheiro. Duas caras sombreadas. Duas caras pintadas. Duas caras pálidas. Duas caras encapuzadas. Duas caras fugitivas. Duas caras enganadoras. Duas caras dissimuladas. Duas caras sem qualquer penalidade legal. Duas caras aquém da Capital Federal.
    Duas caras na mesma razão política. Duas caras na mesma causa social. Duas caras pulando amarelinha. Duas caras jogando peteca. Duas caras brincando de casinha de boneca. Duas caras banhando nas quedas da mesma cachoeira em vazão continental. Duas caras escalando os muros das mesmas torres erguidas além do Planalto Central. Duas caras ultrajando a mesma Carta Magna Constitucional. Duas caras deveras legislando nas tribunas esvaziadas do Congresso Nacional.
    A primeira cara é face oculta até a primeira investigação não necessariamente causada pelo verbo violar. A segunda cara é camuflada além de um olhar. A primeira cara é o antônimo da representação popular. A segunda cara é o sinônimo do verbo enganar. A primeira cara nem sempre é delineada nas urnas de uma eleição. A segunda cara nem sempre é retocada pelas mãos do melhor cirurgião. A primeira cara é fome de poder sem nenhuma restrição. A segunda cara é forjada na liga da mesma corrupção.
    Duas caras unificadas diante da liberdade mesmo que tardia. Duas caras tituladas diante da igualdade preconizada no princípio da democracia. Duas caras aqui. Duas caras acolá. Duas caras roendo o mesmo pequi. Duas caras provando o mesmo vatapá. Duas caras de turbantes estampados (aonde?). Duas caras de uniformes listados (quando?). Duas caras inquebrantáveis diante da mesma quebra de decoro parlamentar (será?). Point finale (nelas!).
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MANOEL MATO-GROSSENSE DE BARROS

      “Que minhas palavras não caiam de louvamentos a exuberância do Pantanal. Que não descambem para o adjetival. Que meus textos sejam amparados de substantivos. Substantivos verbais. Quisera apenas dar sentido literário aos pássaros, ao Sol, às águas e aos seres. Quisera humanizar de mim às paisagens. Mas por que aceitei o desafio de glosar esta obra exuberante de Deus? Aceitei para botar em prova minha linguagem. Que eu posso cumprir essa tarefa sem que meu texto seja engulido pelo cenário”.  Pré-texto – Manoel de Barros. “Sua voz é outra porque é a voz das paixões e das visões; é de outro mundo e é desse mundo, é antiga e é de hoje mesmo, antiguidade sem datas”. A Outra Voz – Manoel de Barros. Forma improvisada em poesia. Combinações entre o desconhecido e o descoberto por uma cidadania. Conteúdo que nos faz excursionar para a infância da beleza e pela maturidade da harmonia. Início continuado além do ponto final. Expressão poética em horizonte gramatical. Fenômenos da natureza em palavras surpreendidas pela emoção. Código lingüístico traduzido em mais de um idioma. Pensamento livre e sem amarras numa brincadeira de quem afirma em verso: “Tenho preguiça de ser sério”.
        Rigor estético rompido pela modernidade. Obra criativa edificada no trabalho antes da inspiração. Ruptura e reconstrução. Metáforas em ideologia da matéria ociosa. Rumores da língua portuguesa num canteiro elevado a categoria de roseiral em flor. Inventor teórico em ângulos geométricos da palavra. Sensibilidade do corpo e inteligência do espírito criador: “Poesia não é para compreender, mas para incorporar”. Quebra do paralelismo sintético e semântico. Sentidos esboçados pela percepção de humanidade. Vontade permanente da verdade em mais de uma aurora imaginada além do materialismo imediato. Fonte de mais de um regato prateado. Manancial em meandro abandonado em veredas de uma Planície alagada em vazante. Devaneios espelhados em razão. Fábulas sem fingimento e sem personagens mascaradas pela ficção. Invento de um inventor de organismos em frases inacabadas. Fingimento aproximado do real. “Há histórias tão verdadeiras que às vezes parecem falsas”. Mago em combinações reveladas ao leitor. Ruptura dos limites da razão: “Fazer cavalo verde, por exemplo”. Escritor do silêncio em sílabas coloridas por uma natureza divinal. “Escrever nem uma coisa e nem outra – a fim de dizer todas, ou, pelo menos nenhumas. Assim, ao poeta faz bem desexplicar – tanto que escurecer acende os vagalumes”. “Hoje eu atingi o reino das imagens, o reino da despalavra. Daqui vem que todas as coisas podem ter qualidades humanas. Daqui vem que todas as coisas podem ter qualidade de pássaros. Daqui vem que todas as pedras podem ter qualidade de sapo. Daqui vem que todos os poetas podem ter a qualidade de árvore. Daqui vem que todos os poetas podem arborizar os pássaros. Daqui vem que todos os poetas podem humanizar as águas. Daqui vem que os poetas devem aumentar o mundo com suas metáforas. Que os poetas podem ser pré-coisas, pré-vermes, podem ser pré-musgos. Daqui vem que os poetas podem aprender o mundo sem conceitos. Que os poetas podem refazer o mundo por imagens, por eflúvios, por afeto”. “A quinze metros do arco-íris o Sol é cheiroso./ A ciência ainda não pode provar o contrário”.
        Sem medo de errar, Manoel de Barros transforma a linguagem contemporânea em comunicação. Imprime o rótulo do absurdo sem qualquer conotação pejorativa. “A poesia é um fenômeno de linguagem, não de idéias. O que faço é obedecer a minha linguagem”. Dono dos enredos do seu cotidiano literário. Liberdade forjada além das estrofes em rebeldia natural do ser poético. Observador diante do objeto observado. Cuiabano do pé rachado. Mato-grossense bugre nos capítulos poéticos de mais de um Estado Federado. “Cheio de vogais pelas pernas vai o caranguejo soletrando-se”.
            Biografia em obras: Manoel Wenceslau de Leite Barros, nascido em Cuiabá-MT em 1916. Mudou-se para Campo Grande-MS, ainda criança e mais tarde para o Rio de Janeiro, ande formou-se bacharel em direito em 1941. Em 1937, publicou o seu primeiro livro “Poemas concebidos sem pecado”. Na década de 60 voltou para Campo Grande-MS e outras obras literárias foram publicadas em contínua produção literária que alcançaram o século XXI com a mesma originalidade temática e gramatical, entre elas: “Face Imóvel (1942), Poesias (1956), Compêndio para o uso dos pássaros (1960), Gramática expositiva do chão (1966). Matéria de poesia (1974), Arranjos para assobio (1980), Livro de pré-coisas (1985), O guardador das águas (1988), Concerto a céu aberto para solo das aves (1993), O livro das ignorãças (1993), Livro sobre nada (1996), Das Buch der Unwissenheiten – Edição da revista alemã Alksent (1996), Retrato do artista quando coisa (1998), Ensaios fotográficos (2000), Exercícios de ser criança (2000), Encantador de palavras – Edição portuguesa (2000), O fazedor do amanhecer (2001), Tratado geral das grandezas do infinito (2001), Águas (2001), Para encontrar o azul eu uso pássaros (2003), Cantigas para um passarinho à toa (2003), Les paroles sans limite – Edição francesa (2003), Todo lo que no invento es falso – Antologia na Espanha (2003), Poemas Rupestres (2004), Riba del dessemblat – Antologia poética – Edição catalã, Memórias inventadas I (2005), Memórias inventadas II (2006)”.
           Prêmios: 1960 - Prêmio Orlando Dantas – Diário de Notícias; 1996 – Prêmio Nacional de Poesias; 1989 – Prêmio Jabuti de Literatura, na categoria poesias; 1990 – Prêmio Jacaré de Prata da Secretaria de Cultura de Mato Grosso do Sul, como melhor escritor do ano; 1996 – Prêmio Nestlé de Poesia; 1996 – Prêmio Alphonsus Guimarães da Biblioteca Nacional; 1998 – Prêmio Nacional de Literatura do Ministério da Cultura, pelo conjunto de obra; 2000 – Prêmio Odilo Costa Filho, Fundação do Livro Infanto Juvenil; 2000 – Prêmio Academia Brasileira de Letras; 2002 – Prêmio Jabuti de Literatura, na categoria livro de ficção; 2005 – Prêmio APCA 2004, de melhor poesia, com o livro Poemas rupestres; 2006 – Prêmio Nestlé, com o livro Poemas rupestres.
OBRAR
      “Naquele outono, de tarde, ao pé da roseira de minha avó, eu obrei. Minha avó não ralhou nem. Obrar não era construir casa ou fazer obra de arte. Esse verbo tinha um dom diferente. Obrar seria o mesmo que cacarar. Sei que o verbo cacarar se aplica mais a passarinhos. Os passarinhos cacaram nas folhas nos postes nas pedras dos rios nas casas. Eu só obrei no pé da roseira da minha avó. Mas ela não ralhou nem. Ela disse que as roseiras estavam carecendo de esterco orgânico. E que as obras trazem força e beleza às flores. Por isso, para ajudar, andei a fazer obra nos canteiros da horta. Eu só queria dar força às beterrabas e aos tomates. A vó então quis aproveitar o feito para ensinar que o cago não é uma coisa desprezível. Eu tinha vontade de rir, porque a vó contrariava os ensinos do meu pai. Minha avó, ela era transgressora. No propósito ela me disse que até as mariposas gostavam de roçar nas obras verdes. Entendi que obras verdes seriam aquelas feitas no dia. Daí também a vó me ensinou a não desprezar as coisas desprezíveis. E nem os seres desprezados”. Manoel de Barros.
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AI DE TI CERRADO!
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Quem resistirá ao ardor inquieto,
Ao espetáculo frívolo e esfuziante de semelhante prática?
Se assim é, nem mesmo o vento que sopra resfria o ardor.
Fonte de água que esgota evaporada pelo calor.
Ai de ti Cerrado!
Tudo ferves, tudo sentes...
Estéreis sementes,
Blasfêmia difundia pelo
Espaço, ensejo de buscar salvação, sepultura da paisagem fosse qual fosse à intenção.
Ai de ti Cerrado!
Dos campos às serranias suma extinção.
Ai de te ti Cerrado!
Sem mais demora, sem qualquer clamor, vai-te embora, sinto a tua dor.
Que mais direis?
Combate criminoso à vista das leis.
Ai de ti Cerrado!
Desígnio aos grãos no esquife do pensamento.
Arde em ti Cerrado,
Nesse tempo,
A prática de agosto.
Para em nada desdizer, ensejo derradeiro, agricultor sem rosto.
Arde em ti Cerrado,
entusiasmo febril no
Centro Oeste do Brasil.
Ai de ti Cerrado!
Efêmero gozo da chama,
Perpétua promessa de existência com veemência reclama!

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