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Sandra Luz
Campo Grande MS
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Sandra é Jornalista e escreve contos.
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Boa
noite!
Fui
hoje cedo conversar com a advogada que está fazendo o divórcio. Após uma década,
duas únicas coisas se semelham ao dia do casamento: a cor da roupa e infinita
falta que você sempre faz nesses momentos. No cartório, com uma blusa cinza de
manga bufante, assinei os papeis que faltavam, resgatei meu nome, deixei um
pouco de mim. Diferente daquela primeira vez em que pisei naquele lugar usando
um longo enfeitado de pedras e cheia de alegria, de rosto liso e sorriso
estridente; estava calada, com olhos inchados pelas desobedientes lágrimas e
algumas rugas desanimadas. O tempo, a vida, a idade, as circunstâncias mudaram
minha aparência por dentro e por fora e eu ainda sinto sua
falta.
Queria
sentir suas mãos nesses dois dias. No primeiro, meu desejo era de, na verdade,
te abraçar muito e sentir você me entregar para um mundo novo, onde iria
compartilhar uma vida com alguém e sentir outras duas vidas chegarem. Fico
imaginando você nervosa ao me contemplar com aqueles olhos de um negro profundo
e cheios de mistérios que eu só pude conhecer quando também me tornei mãe. No
segundo, hoje, queria ser amparada no teu abraço na direção de um mundo que não
queria, mas tenho que entrar. Saberia que a solidão seria amenizada com a tua
presença nas vidas que ajudei gerar. Fiquei te imaginando nervosa, triste por
mim e me contemplando com os mesmos olhos de negro profundo e cheios de dúvida
em uma situação que você não chegou conhecer.
É
lógico que você não queria, mas deixou minha vida cheia de lacunas que vão além
dos dias importantes por serem felizes ou imensamente tristes. Como toda mãe,
imagino que você só me queria feliz, realizada e plena. Não foi assim. Suas
lacunas me deixaram insegura e, ao mesmo tempo, me enchem de certezas sobre o
que você faria. Eu tentei fazer igual. Acredito que sua voz macia iria me dar um
conselho, como fez quando penteou meus cabelos pela última vez e abotoou meu
vestido enquanto sugeria imprimir um pouco menos de pressa nas minhas atitudes.
Eu queria me perder nos seus braços, na tua farta e cacheada cabeleira, saborear
arroz doce com morango, beijar tua testa cheia de sardas e tremer de medo ou me
encher de coragem ao som da tua voz.
Queria
fazer aquela transição que uns poucos afortunados conseguem e cuidar de você. Te
vestir, te levar para passear, te contemplar com meus filhos no teu colo
enquanto eu me recuperava dos partos difíceis ou naquelas datas em que as
pessoas se reúnem, falam alto e brindam. Você é meu querer eterno. Nem te amo,
sabe, só te espero...
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Conflitos
De
tão irritante, o perfume de Michel despertou o reflexo do espirro da atendente
que tentou desculpar-se com o olhar pela situação involuntária. Óculos de grife
em uma mão e uma pasta cheia de papeis na outra, o rapaz impressionava tanto
pela aparência ao mesmo tempo em que tornava impossível a quem o via o
pensamento tão automático quanto o espirro por fazer-se patético. “- Quero a
revisão da minha conta”, ordenou.
A
atitude dele apontava que aquele não seria um bom dia para Luana. Pegou os
documentos, suspirou e ensaiou uma resposta. O movimento do maxilar foi parado
como que no ar. “-Quero a revisão da minha conta. Não permaneci no meu loft
tempo suficiente para gastar tudo isso. Estava na Europa em vários cursos de
reciclagem e em passeios que você nunca poderá fazer. Passeei pela França,
Itália, Inglaterra, Alemanha e atravessei parte da Espanha. Ah, nem sei porque
eu estou te falando isso. Você nem deve saber onde esses lugares ficam. Mas
estão longe, muito distantes do poder aquisitivo que você não tem. Fiquei meses
fora, gastei mais dinheiro do que você pode imaginar ganhar em toda a sua vida.
Revise minha conta. Agora!”
Luana
mordiscou o lábio inferior. De fato, aquele não seria um bom dia. Suspirou fundo
e disparou. “Senhor, não podemos ajudar. Sua conta...”. Novamente interrompida
e, desta vez, por um Michel com a voz tão violenta, que as fagulhas de saliva
derramavam sobre o balcão fazendo a atitude destoar de alguém tão elegantemente
vestido. Contemplou o moço e notou as muitas gotículas de suor na fronte do
rapaz já molhando de maneira a revirar o estômago da moça. A camisa cara na
região das axilas ensopara. “Vocês prometem tudo e eu nunca venho aqui para
reclamar de nada. Sempre pago quantias obscenas e delas depende o seu salário de
atendente mequetrefe. Revise esta coisa, já!”
Agora
foi a vez de simular uma mordida nos dois lábios e, deles, a única palavra que
saiu foi: “Senhor...”. Refutada: “Que senhor, que nada. Você, por acaso, sabe
com quem está falando?”. Já que o dia não seria bom, que não haveria como
reverter a situação, Luana também berrou: “Não, não sei senhor com quem eu estou
falando e acho que de pouco vai lhe adiantar que eu passe a saber. O que sei é
que a revisão de sua conta deve ser providenciada pela companhia de energia e o
senhor está no balcão da concessionária de água”. Ainda trêmula de coragem
repentina, conseguiu sorrir de maneira gentil para o rosto pasmo do, agora,
acanhado rapaz.
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Perdas
Tinha
um nome de três letras formadoras de uma sílaba tão única quanto a intensidade
em que exprimiu-se ao não conseguir despir-se no momento de pluralidade. Cerrou
os lábios e abriu os olhos. Era a fantasia se revelando em verdade ao fim de
pouco mais de um ano bissexto. De tão verdade, não soube respirar no momento e o
ar fez falta em cada poro, bloqueando os pulmões e sufocando as palavras. Não
recorda da temperatura da pele, embora ainda tateie por dentro a persistência do
calor que lhe corria os órgãos. Busca a explicação para garganta trancafiada e o
embaralhar dos olhos à frente do alguém em carne, osso e desejo. Desconhece a
hipótese de futuros desencontros, mas se volta ao acaso da água no corpo e do
frio da noite na potencialidade de, talvez, serem eles os melhores traços de um
encontro que ficou no rascunho. É seu novo querer, agora tão enxuta quanto as
letras que lhe resumem o nome.
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